
hermana,
preciso desabafar
estou inquieta
os dias estão passando
rápidos demais
e as velhas táticas
no amor e na guerra
já não servem mais
e nós
o que faremos
daqui em diante?
quantas chances
teremos
de nos demorar
em um abraço
e brindar
os ipês amarelos
florescendo do outro
lado da rua?
nossos caminhos
entrecruzados
miravam
a mesma direção
eu já falei
tinha umas histórias
que minha avó contava
mas eu era muito pequena
não consigo recordar
direito
(...)
aquela
da comadre florzinha
na mata
aquela
da mulher que foge
no cavalo
aquela
do fio vermelho
invísivel
interligando
todas as cabeças
(...)
minha abuela
na sua máquina de costura
translocava a órbita
do mundo
hermana,
você me entende?
tentaram colonizar o sol
ofereceram-lhe zilhões de dólares
para que não brilhasse
mais
como vamos
enfrentar a bárbarie?
temos que (re)aprender
a ouvir as anciãs
e colocar nossas vibrações
vagino-cardíacas
em sintonia
pulsante
não se preocupe
enquanto
minhas mãos suportarem
vou construindo barricadas
vou construindo
mas
para isso
preciso da sua
existência-girassol-ensolarada
pra suportar
essa luta
a medida de grandeza
para mensurar o amor
é aquela mesma sensação
sentida
no alto da montanha
- vastidão
menos que isso
é pedra no caminho
e se
no meio do caminho
tinha,
desvia.
hermana,
desculpa o desabafo
assim meio torto
já passa das onze
meus pés estão latejando
esse clima eleitoreiro
frita meus miolos
não sou uma eleitora
sou uma incendiária
#elenão
#elenunca
uma mulher
me parou na rua
perguntou se eu estava bem
eu disse que sim
ela sabia meu nome
eu não saiba o nome dela
ela era velha
e disse pra eu me cuidar
eu apenas agradeci
ela foi embora
eu fiquei olhando
achei um tanto
enigmático
talvez
eu devesse fazer
terapia
mas prefiro
nesse momento
da vida
lutar boxe
estudar inglês
e ousar poemas
sem rimas
vai saber
quantas chances
teremos
de nos demorar
em um abraço
e brindar
os ipês amarelos
florescendo do outro
lado da rua?
hermana,
sólo necesito decir que te amo
ahora.
( • )
Jenyffer Nascimento é mulher negra periférica, escritora, mãe, estudante, educadora, boêmia, raiz, ventania e liberdade. É autora de Terra fértil (Editora Mjiba, 2014).
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