Quem nunca teve que ajudar uma amiga em um momento de crise? Eu já, várias vezes e em muitas delas tive que apelar para a minha deficiência. Não de uma forma ruim, como as pessoas tendem a fazer, do tipo “tem gente que está pior que você” - aliás, acho horrível e de muito mal gosto esse tipo de colocação -, mas, frequentemente, uso minhas limitações para tentar mostrar a mesma situação por outro prisma, uma visão que às vezes uma pessoa sem deficiência tem grandes dificuldades de enxergar.
Penso que um dia de tristeza é normal e acontece para todo e qualquer ser humano, independente da condição física, financeira, emocional. Tudo bem estar triste naquele dia por achar que a roupa não favoreceu, ou por um conjunto de desencontros, mas não pode ser regra. Há milhares e milhares de coisas que importam mais do que esses acontecimentos passageiros.
Vou tentar exemplificar em uma situação: uma amiga se abriu comigo, dizendo que estava em um impasse amoroso e se sentia mal. Pois bem, fizemos um exercício, que adoro e recomendo, que é se olhar de perto no espelho e dizer o que vê, o que gosta e o que não gosta. Não deu cinco segundos e ela começou a chorar. Isso é um comportamento muito recorrente com pessoas que não se sentem plenas. A lista de desagrados era grande, o peso, o cabelo, a aparência, a timidez e por aí vai. A lista de elogios começou com “nada”. Porém, depois, bem devagar e com uma ajudinha, foi aumentando gradativamente, até que ultrapassou os desagrados.
Quando começamos a abordar alguns dos supostos defeitos, vimos que eram passíveis de mudança através de algum esforço e dedicação dela com ela mesma. Mesmo assim, era difícil para ela entender.
Então, pedi para ela me “avaliar”. Os elogios eram por conta da minha postura, dos meus ideais, do meu posicionamento e por último surgiram os atributos físicos. Em seguida, pedi que ela citasse meus “defeitos”, ou coisas que poderiam não agradar aos olhos, mas, para falar de mim, a dificuldade surgiu. Comecei eu mesma citando que estava com alguns pêlos a mais, alguns quilos a mais, cicatrizes, celulite, estria, coisas entendidas como “fora do padrão”. Ela concordou, com muita vergonha. Nesse momento, perguntei se isso alterava, de alguma forma, tudo o que ela tinha falado de positivo sobre mim e o “não” foi categórico. Era óbvio que não interferia.
Mostrei que em nenhum momento ela lembrou de citar minha deficiência, ou qualquer condição relacionada à isso. Falei que enxergar a essência e o caráter é mais importante que qualquer atributo físico, que somos mais que embalagens vazias que precisam ser padronizadas e estereotipadas para agradar os olhos de outras pessoas, sem nem ao menos acharmos bonito nosso próprio layout.
Com esse exemplo consigo mostrar o que percebo com frequência: o quanto muitas mulheres conseguem ajudar umas às outras a enxergarem que são lindas e plenas enquanto têm uma tremenda dificuldade de aceitarem suas próprias limitações ou diferenças. Suas singularidades são vistas como fardos, suas particularidades são tidas como estranhas e suas belezas não aparecem refletidas quando se olham.
Nisso, uma simbologia que gosto muito de usar e indico para todas é primeiro se olhar de perto no espelho. Nessa posição verá os poros abertos, pequenas marcas de expressão, todas as chamadas “imperfeições”, e talvez se sinta mal. Mas vá se afastando, até conseguir enxergar o corpo inteiro, e verá que tudo isso some. O foco deixa de ser as pequenas coisas e você se vê por completo, fazendo parte da paisagem. Assim, você se reconhecerá.
A ideia disso é mostrar que fazemos parte do universo, que coisas físicas mudam, a gente envelhece, rugas aparecem, a flacidez chega para todas as pessoas, e está tudo bem! Isso faz parte, tanto pra sua amiga, quanto para você!
A prioridade é o ser, é ver a mulher forte que enfrenta chuva e sol, que sai para trabalhar de cabeça erguida, escuta um milhão de “nãos” e continua batendo de frente com um sistema e uma sociedade ainda nas garras do patriarcado. Há de ser louvada essa mulher que ensina as crianças que o mundo tem que ser inclusivo e com os direitos iguais, a mulher que abre a boca e enfrenta uma injustiça, que vive todo dia tentando transitar em uma sociedade que não está preparada para a deficiência dela, ou a roupa dela, ou a postura dela, e que, mesmo sem saber, inspira outras mulheres a seguirem batalhando.
Essa mulher que te olha no espelho é motivo de orgulho.
Faça o que gostaria que outra pessoa fizesse por ela: encoraje quando ela tiver dúvidas se vai conseguir, seja positiva e diga que ela vai dar um jeito. Dê aquela bronca com carinho pra ela melhorar os hábitos, se alimentar melhor e ajude apontando novas formas de agir. Elogie a sua plenitude, seus pontos positivos, sua capacidade incrível e diga todos os dias a ela que não tem problema ser diferente, que não é preciso tanta cobrança, porque ela está dando o melhor e que você tem plena consciência disso. Converse com essa mulher que te olha de volta do espelho que você vai descobrir que, em muitos aspectos, ela é uma completa desconhecida, cheia de traumas para serem resolvidos, mas é a única que pode te ensinar a ser a melhor versão de si mesma.
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Amanda Lyra - Cantora, compositora, produtora e apresentadora, cadeirante e idealizadora do Projeto Solyra. Siga ela no FACEBOOK e INSTAGRAM.
Paloma Santos é ilustradora, cadeirante e feminista. "No meu trabalho como ilustradora tento representar a diversidade feminina". Siga ela no INSTAGRAM e curta a página no FACEBOOK.
1 comentário
Simplesmente obrigada Amanda!!!