“Hoje eu acordei me sentindo gorda”. Quantas vezes você já se deparou e/ou falou essa frase, sobretudo nas redes sociais? Eu esbarro com ela ao menos uma vez por dia. É incrível como uma característica corporal se transforma, de algum jeito ‘mágico’, em um sentimento. E é assustador o sem número de pessoas magras que acordam ‘se sentindo gorda’. E essa afirmação é violenta em tantos níveis que eu não deveria nem precisar fazer esse texto. Mas, do auge da minha exaustão, eu faço!
E venho dizer que: ninguém acorda se sentindo gorda. E ninguém passa a ser gorda porque se sente assim. E, mais: por que se sente mal em não se encaixar nos padrões impostos pela sociedade.
Ser uma pessoa gorda é ter o direito de ir e vir tolhido e a existência questionada sistematicamente por toda sociedade, de forma estrutural e isso não tem nada a ver com a possível piada que, por vezes, você pode ter ouvido na infância/adolescência ou em casa, porque comeu mais na noite anterior, porque está mais inchada ou algo do tipo.
Você não está/é uma pessoa gorda só porque quer ouvir alguém dizendo que “imagina, você é magra” ou “que isso! você está ótima assim”. Isso não te transforma, efetivamente, numa pessoa gorda. Ao passo que ter sido chamada de ‘gordinha’ pelo companheiro ou companheira não configura bullying e não te faz uma pessoa que engrossa as estatísticas do que é chamado de sobrepeso e, por conseguinte, de pessoas que sofrem gordofobia.
Você não sofre gordofobia porque a loja onde você compra não tem tamanho 44. Gordura não é sentimento.
Gordofobia não se define pela ausência de um, dois privilégios que você sempre desfrutou, mas pelo conjunto de exclusões e falta de acessos que vários corpos, como o meu, enfrentam cotidianamente. Tipo existir, sabe?
Portanto, quando quiser ganhar um agrado, um biscoito, se sentir bem com a própria aparência, etc., faça isso de uma forma honesta e não de uma forma que estimule o preconceito e a discriminação com pessoas gordas. Se você não é gorda (o/e), não sabe como é habitar um corpo que é e não imagina como é acordar não só se sentindo gorda, mas sabendo que se é - e isso não é problema, mas
“Ah, mas será que eu sou gorda?”. Meu amor, se você precisa se fazer esta pergunta, significa que você não é. Qualquer pessoa que é gorda sabe que é. Malabarismo retórico algum vai garantir para ela qualquer outro lugar que não o da discriminação. Qualquer pessoa gorda conhece bem sua condição e seu lugar negado no mundo e, seguramente, não é um manequim 44 que não fechou que vai dizer isso, ou uma sensação ao acordar.enfrentar a sociedade que te diz o tempo todo que você não deveria existir e/ou ocupar os espaços que ocupa é exaustivo.
Por fim, esse textão todo só para dizer: parem de querer protagonizar opressões que não se vivem. Parem de forçar barriga na hora de tirar foto apenas para postar ‘gordinha kkk’ e receber enxurradas de comentários dizendo: ‘para com isso, tá linda’. Isso é violento com pessoas gordas e eu tenho certeza que você não quer engrossar as estatísticas do sem número de violência diárias que sofremos só por uma chuva de likes, seguidores ou corações nas fotos. Aposto como você é maior do que isso, mas não o suficiente para ser gorda e ocupar nosso lugar numa luta que é séria e árdua.
E desculpe-me se hoje eu estou meio ‘pokas ideias’, é que acordei me sentindo meio atravessada com a gordofobia.
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Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina.
1 comentário
essa frase se encaixa perfeitamente em ser uma mulher, mas aparentemente as opressões de uma mulher que são definidas pelo seu sexo (bebês em corpos femininos já sofrem opressão e violência sexual), virou um sentimento. E um belo dia homens começam a se sentirem como mulheres. Ser mulher também não é um sentimento. Diz respeito a uma materialidade opressiva, gênero é uma prisão, não é libertação.