Advogada da PEITA, Ananda Puchta, defende a criminalização da LGBTfobia no STF

Advogada da PEITA, Ananda Puchta, defende a criminalização da LGBTfobia no STF

Desde ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando duas ações que pedem a criminalização da homofobia e transfobia. As ações foram solicitadas pelo Partido Popular Socialista (PPS) e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), apontando que o Congresso foi omisso ao não legislar sobre o tema, o que viola o inciso do artigo 5º da Constituição - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Ontem a advogada da PEITA, Ananda Puchta, falou em nome do Grupo Dignidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros. Ela também integra o Coletivo Cássia, braço lésbico e bissexual do Grupo Dignidade, com quem temos parceria na frase "Eu estou com ela", cocriada para dialogar com mulheres que amam mulheres e homens que estão ao nosso lado na luta por igualdade.

Aqui você lê o discurso na íntegra.

 Ananda Puchta


Excelentíssimo Presidente, Ministro Celso de Mello, Excelentíssimas Ministras, Excelentíssimos Ministros, boa tarde.

Subo à essa tribuna, não com alegria de pela primeira vez ocupá-la, mas com o pesar de ter que lembrá-los que estamos morrendo. Subo à tribuna acompanhada de Marielle, Matheuza, Plínio, e de tantos outros que se foram em 2018. 420 mortes. Tenho a certeza de que a minha função e de meus colegas aqui hoje não é a de apenas discutir as razões constitucionais que levam à omissão do Estado Brasileiro em devidamente proteger a nossa comunidade, mas a de trazer vez e voz àqueles que clamam por uma vida sem violência.
Os casos decorrentes de LGBTIfobia são subnotificados, não somente porque não há tipificação penal que possibilite esse levantamento, mas também porque o Estado Brasileiro não demonstrou interesse, até o momento, em deixar de ser o país que mais mata LGBTIs no mundo. Temos, enquanto sociedade civil, que nos desdobrar para poder contabilizar cada vida que se vai. E por isso agradeço aos colegas do GGB, ANTRA, REDETRANS e Dossiê sobre Lesbocídio, por dedicarem tempo e trabalho para que possamos exigir Justiça a essa Corte Constitucional.

Vale lembrar que o estupro corretivo, crime sofrido recorrentemente por mulheres lésbicas e bissexuais, e muitas vezes por homens trans, só passou a figurar no Código Penal Brasileiro a partir de 24 de setembro de 2018, pela Lei nº 13. 718. Legislação essa, sancionada por Vossa Excelência, Ministro Dias Toffoli, quando exercia a função de Presidente da República. Não é atoa que estamos aqui, clamando mais uma vez ao STF, por igualdade de direitos.

Nós LGBTIs sempre fomos tratados pelo Congresso Nacional como cidadãs e cidadãos de segunda categoria. As iniciativas legislativas propostas para nos garantir cidadania ou são enterradas em gavetas ou são perseguidas comissão a comissão para que não sejam aprovadas. Os Parlamentares que abertamente nos representam, são ameaçados de morte até serem obrigados a deixar o mandato e sair do país. Por isso, a presença de cada um de nós nesse Tribunal representa resistência.

Não bastasse isso, é preciso salientar a complexa interseccionalidade que perpassa a nossa comunidade. A violência que sofre uma lésbica branca, de classe média, é completamente diferente daquela sofrida pela travesti preta e pobre. A população de travestis e transexuais está na linha de frente das mortes diárias decorrentes de LGBTIfobia.

Nossa pluralidade e diversidade agrega valor e criatividade no setor privado, que reconhece a potencialidade da comunidade LGBTI. No ano de 2018, o Grupo Dignidade e a Aliança Nacional LGBTI, em parceria com a ONG estadunidense, Out & Equal, trabalharam para que 35 empresas e organizações da sociedade civil assinassem a “Carta de Apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTI+ nos Locais de Trabalho no Brasil”. Pela primeira vez na história, empresas se engajaram em uma iniciativa de defesa de direitos, endereçada aos Presidenciáveis, para que esses reconhecessem importância da diversidade e inclusão no local de trabalho, porque é a coisa certa a se fazer, é bom para os negócios e é bom para o Brasil.

Nós perpassamos todas as classes sociais. Nossa diversidade e pluralidade permeiam diferentes religiões e ideologias. Vale lembrar que 29% da população LGBTI do Brasil votou no atual Presidente, segundo o Data Folha.

Diferentemente do que alguns tentam veicular, a criminalização da LGBTIfobia não cerceia liberdade religiosa. Queremos apenas parar de estampar folhas de jornal sujas de sangue, como o caso recente da travesti morta em Campinas. Seu algoz confessou o crime e contou como retirou o coração da vítima e em seu lugar colocou a imagem de uma Santa. São esses requintes de crueldade que combatemos e que configuram a LGBTIfobia.

Não queremos impedir liberdade de culto ou crença pois ocupamos os bancos das Igrejas. Muitos de nós são cristãos. Cristãos que pulverizam amor por onde passam e não o ódio. Não há porque temer a criação de uma legislação que pune crimes decorrente de ódio e preconceito, se se diz pregar amor, tolerância e compaixão.

Como disse nosso colega da Anajure, evangélicos sofrem preconceito sim, mas não morrem por professarem sua fé. Nós morremos! E não temos nenhuma legislação que nos proteja.

 O presente Mandado de Injunção visa, somente, que o Estado Brasileiro se comprometa a punir àqueles que violam nosso direito mais valioso, o direito à vida. Procura-se obter a visada criminalização com base na parte final do artigo 5º, inc. 71, da CF/88, por ser medida necessária na garantia fática do exercício da cidadania da população LGBT brasileira, bem como de seu fundamental direito à segurança.


A ADO 26 segue em perspectiva muito semelhante, tendo como objeto a inércia legislativa do Congresso Nacional em editar lei para criminalizar todas as formas de LGBTIfobia. Quanto à mora legislativa, fundamenta-se na vedação de proteção deficiente, e ao direito fundamental à segurança da população LGBTI.

Não se pode deixar de considerar a clara inconvencionalidade nessa omissão legislativa, já que o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual traz em seu artigo 1.1. a obrigação de se respeitar direitos, e em seu artigo 2.1 o dever de se adotar disposições de direito interno. Essa Corte, recentemente, realizou controle de convencionalidade na ADI 4275, quando adequou a normativa brasileira à Opinião Consultiva nº 24 da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Não bastasse isso, essa Corte já considerou, quando do julgamento do Caso Ellwanger, que racismo configura toda ideologia que pregue a superioridade e/ou inferioridade de um grupo relativo a outro. Cumpre salientar que o julgado citado equipara o antissemitismo ao crime de racismo. Em vista disso, lembramos que, assim como a comunidade judaica, gays e lésbicas também foram encaminhados aos campos de concentração nazistas, portando não a Estrela de Davi no braço, mas o triângulo rosa e preto, os quais marcavam o pertencimento à uma dita “raça inferior” de orientação sexual diversa à heterossexual.

Caso não se aceite seu enquadramento no conceito de racismo acima disposto, inequivocamente, a LGBTIfobia se insere no conceito de discriminações atentatórias à direitos e liberdades fundamentais, o que também impõe a elaboração de lei criminal que as puna com efetividade. Ainda, tendo em vista o direito de isonomia e, portanto, o direito à igual proteção penal, a LGBTIfobia deve ser punida com o mesmo rigor aplicado na Lei de Racismo.

Ao ficar inerte, portanto, o Estado Brasileiro se torna também algoz de suas cidadãs e cidadãos mortos todos os dias em decorrência do preconceito e da LGBTIfobia.
Nesse sentido, requer-se a procedência de ambas as demandas, para que essa Corte Constitucional, em seu caráter contramajoritário, estipule prazo para criação de uma legislação que proteja a vida, a liberdade e a integridade pessoal da população LGBTI. E ainda que interprete a Lei nº 7.716/1989 (Lei de Racismo), de forma a abranger atos discriminatórios motivados por orientação sexual e identidade de gênero, ou seja, contra a comunidade LGBTI. São os argumentos que trago, representando meus pares aqui presentes. Obrigada.

Ananda Puchta na Marcha pela Visibilidade de Travestis e Transexuais 2019, em Curitiba. Foto KADIGGIA PUDELKO

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Foto de capa - Marcha pela Visibilidade de Travestis e Transexuais 2019, em Curitiba, por KADIGGIA PUDELKO 

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1 comentário

Me manda o vídeo com a sustentação oral ao dela. Não consigo achar. Só a do advogado.

Raquel

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