América Latina será toda FEMINISTA!

América Latina será toda FEMINISTA!

Rita Segato expõe que a invasão colonial[1] abriu feridas causadas pela apropriação das nossas terras, territórios, recursos, saberes, assim como mediante a apropriação dos corpos, especialmente das mulheres. Isto quer dizer que as corporalidades latino-americanas e caribenhas contam uma história e é a do poder que os colonizou, que nos deixou cicatrizes pelo racismo, patriarcado, homofobia, transfobia, pela marginalização.


Dorotea Gómez Grijalva (maya k´iche-guatemalteca) cita as feministas Yuderkys Espinosa (dominicana) e Margarita Pisano (chilena) ao dizer que

nossos corpos são territórios políticos e que, por isso, é necessário compreendê-los desde uma perspectiva histórica, e não biológica,


já que foram construídos e nomeados por ideologias e discursos que justificaram sua opressão. Dessa forma, Dorotea considera que ele é território. O corpo também carrega memória, história e conhecimentos, tanto das nossas ancestralidades, como também da nossa própria história pessoal. Desse modo, ele é político, e podemos repensar e construir uma história desde uma postura reflexiva, crítica e construtiva.


Assim, nos perguntamos: Como reside - e nos habita - o feminismo em e a partir dos nossos corpos-territórios? Como pensar e se pensar como feministas por e para a América Latina e o Caribe?


Desde as margens - desde a periferia da periferia - mulheres negras, indígenas, campesinas, trans, lésbicas, bissexuais, gordas, PcD (pessoas com deficiência), migrantes, trabalhadoras, rurais, faveladas, acadêmicas, militantes têm tecido resistências, colocando seus corpos e propondo/atuando no âmbito político e epistêmico[2]. Elas - nós - querem - queremos - outros caminhos para definir o mundo, descobri-lo, compreendê-lo e, assim, transformá-lo.


Historicamente, o feminismo, em qualquer latitude, tem construído e conformado movimentos e organizações, ao mesmo tempo que costura teorias para explicar a realidade concreta sobre a qual germinam as resistências.

Pois, onde pisam nossos pés, é onde vivemos nossas opressões e, a partir de nossas cartografias, pensamos como combatê-las.


Portanto, Yuderkys Espinosa salienta que a política feminista dessa nossa latitude trabalha cotidianamente para enfrentar as algemas internas e externas que mantém as mulheres naqueles lugares arranjados para nós pelo entrelaçado do poder. É por esse motivo que resgatamos as insurgências políticas e epistêmicas daquelas que desde seus - nossos - corpos e territorialidades têm procurado erguer um feminismo "nuestroamericano" (nossoamericano), uma responsabilidade histórica e estratégica que temos, nós, que entendemos que o caminho é a luta contra o sistema opressor capitalista patriarcal e colonial[3] que está racialmente estruturado.


Transitar o pensar e o fazer de nossas companheiras feministas implica reflexionar/reflexioná-las considerando as trincheiras a partir das quais escrevem e combatem. Como aquelas que fazem nas salas de aulas, nas suas casas, na rua, no escritório, na fábrica, no campo e na cidade, ao grito de América Latina vai ser toda feminista! Sim, toda, todinha.


Pois será toda feminista ao grito das feministas Comunitárias que nos convidam a questionar a formação patriarcal, ou seja, o triângulo amoroso entre colonização[4], capitalismo e patriarcado[5], e a entender o corpo, a comunidade e território como uma totalidade onde nós, as warmis[6], somos metade e, quando nos violentam, também mutilam esses espaços de vida, reprodução e resistência. Ao grito que consigna que

"para descolonizar hay que despatriarcalizar".


Será toda feminista com o punho levantado das feministas Decoloniais que propõem a necessidade de nos encontrar na categoria "mujeres de color" (mulheres de cor) e assim juntas - em unidade - guerrear as opressões múltiplas às quais estamos submetidas no lugar geopolítico onde nascemos, com a classe, o gênero e a etnia que portamos em nossa fisionomia. Com punho pra cima, nas ruas e na academia, imaginam maneiras outras de produzir e difundir o conhecimento. De boca em boca, histórias de vida, de dor e emancipação, se difundem para ser exemplo e guia subalterna nos caminhos para o horizonte feminista.


Será toda feminista ao ritmo dos tambores das feministas Interseccionais, que nos convocam a denunciar a estrutura que intersecciona formas de dominação e exploração sobre nós, nossos povos, que atravessam nossas lutas, tecendo as resistências e armando de redes que contêm e reforçam o poder popular como principal ferramenta. Porque somos "las de abajo, las del culo del mundo", somos as que lutam pelo reconhecimento e a redistribuição. E que não fique na dúvida, vamos contra os que estão acima!


Nós não queremos o 50% do céu neoliberal, nem a paridade na exploração ou a equidade na violência. Estamos no processo de nos curar de todo patriarcado e as razões binárias, essencialistas, colonialistas e hegemônicas que levamos dentro de nós. Queremos que a nossa territorialidade seja nosso paraíso, queremos um mundo onde caibam outros mundos!

 

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Macarena Mercado Mott (Maqui) é politóloga, latinoamericana, feminista.

Cynthia L Montalbetti (Chichi) é socióloga e politóloga, sudaca, migrante, feminista e gordativista.

 

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[1] Por invasão colonial se entende que trata-se da usurpação/assalto o qual  nosso continente foi vítima em 1492 com a chegada dos europeus ao nosso território.

[2] Por epistemologia entendemos como a área de construção científica do conhecimento.

[4] Colonização é o processo pelo qual os europeus -no caso das américas- ocuparam o continente.

[5] Patriarcado segundo a Lagarde é a ordem social de poder onde existe um modo de dominação que assegura a supremacia dos homens -brancos- e o masculino sobre a inferiorização das mulheres e o feminino.

[6] Warmis significa mulher em quechua.

 

*O texto foi reelaborado em conjunto, adaptado e complementado a partir de uma primeira versão publicada na Argentina pela companheira Macarena em 2019. Para conhecer o trabalho das companheiras do "Fanzine de las pibas" sigam o instagram: @Rata_libre; Facebook: ratalibrelr

 Foto: Manifestação #8M no Chile, 2020. 

 

Leituras que ajudaram na discussão:

ESPINOSA, Y. Los Cuerpos Políticos del Feminismo. Guatemala, 2010.

GRIJALVA, D. Mi cuerpo es un territorio político. In: Voces descolonizadoras. cuaderno n. 1, 2012.

LAGARDE, M. Género y Feminismo. Desarrollo Humano y Democracia. Madrid: Horas y Horas, 1996, pág. 92.

QUIJANO, A. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. 2000.

SEGATO, R. La escritura en el cuerpo de las mujeres asesinadas en Ciudad Juárez: territorio, soberanía y crímenes de segundo estado Universidad del Claustro de Sor Juana, México, 2006.

 

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