1. A INVISIBILIDADE DA MULHER NEGRA
Em primeiro lugar gostaria de agradecer à Fundação Cultural Palmares pelo convite para participar desse maravilhoso encontro de mulheres negras, especialmente pelo prazer de poder homenagear Lélia Gonzales, fundadora do Grupo Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras do Rio de Janeiro. Penso que ela foi uma das figuras mais importantes do movimento negro no Brasil. Sinto-me privilegiada de estar aqui e compartilhar com vocês as nossas lutas, principalmente na medida em que estamos caminhando para o próximo milênio.
Nesse encontro vocês estão discutindo o tema da invisibilidade forçada da mulher negra. Eu sei como isso ocorre. Ao mesmo tempo em que a mulher negra é considerada a mãe da cultura brasileira, ela é ao mesmo tempo invisível. E vocês sabem que nos Estados Unidos as mulheres negras têm lutado há décadas para acabar com essa invisibilidade. Vejam os exemplos das escritoras negras contemporâneas como Toni Morrison e Alice Walker.
Num certo sentido, já percorremos um longo caminho e em outro continuamos invisíveis. Eu faço parte de um comitê que indica pessoas para receberem o prêmio dado por uma entidade negra denominada Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (National Association for the Advancement of Colored People/NAACP) e fiquei assustada por encontrar dentre os premiados um número tão pequeno de mulheres negras.
Mesmo quando a gente olha a situação da mulher negra em Hollywood observamos que ela desempenha um papel que lembra a “Mãe Preta”. Os papéis desempenhados por Whoopi Godberg, por exemplo, quase sempre são de personagens que facilitam a relação entre pessoas brancas ou que iniciam crianças brancas na maturidade.
Um outro ponto que gostaria de abordar é o fato de que, quando as mulheres negras adquirem mais visibilidade, sempre se trata de mulheres de classe média. Gostaria de voltar ao século XIX, quando existiam clubes de mulheres negras que utilizavam o seguinte slogan: “Puxar para cima enquanto a gente avança”. Isso para explicar a relação atual entre as mulheres negras de classe média e as pobres a partir de um novo projeto. Hoje, nos EUA, em função do crescente empobrecimento, as mulheres negras pobres são responsabilizadas pela sua própria miséria. As mães solteiras geralmente estão nos serviços da Previdência Social e são colocadas como as reprodutoras da pobreza e da marginalidade.
Gostaria também de compartilhar com vocês a idéia de um projeto que tem contado com a participação de várias mulheres negras. Ele reúne escritoras e cineastas que passaram a trabalhar juntamente com as mulheres mãe solteiras da Previdência Social. Essa união foi realizada porque acreditamos que algumas de nós ainda têm voz. Algumas de nós são mais visíveis, podem escrever e publicar, são jornalistas. E algumas de nós podem filmar documentários.
Então, as mulheres negras escritoras e cineastas se juntaram com as mães solteiras e essas passaram a contar sua história de vida, que é levada para a imprensa negra, para a revista black e a imprensa em geral. Daí porque nós, mulheres de classe média, decidimos que temos responsabilidade com as mulheres vítimas da pobreza e que vamos puxá-las para cima, ser solidárias ou, como se diz no Brasil, “dar uma força”.
Um problema que temos enfrentado, atualmente é o seguinte: na medida em que os negros ascendem socialmente, eles têm deixado para trás sua própria comunidade. Não querem estabelecer nenhuma relação com as mulheres negras da Previdência Social, nem ser relacionados às pessoas negras que estão na prisão. Porém, alguns de nós estão dizendo: “eles são nossos irmãos, e se adquirimos um certo grau de visibilidade, foi em cima dos ombros daqueles que ficaram para trás”.
2. O LEGADO DO BLUES E A INFLUÊNCIA NEGRA
Como essa conferência está especificamente proposta para tratar da imagem da mulher negra na sua relação cultural, a partir de agora falarei sobre uma pesquisa onde procuro resgatar a relação entre o cultural e o político (2). Acho importante que a gente olhe para a história de uma maneira não ortodoxa. Quando se chamam hoje os nomes das nossas ancestrais feministas, percebemos que elas foram educadas, escolarizadas. Eram mulheres que podiam escrever. Elas organizaram vários clubes de mulheres no passado.
Mas o que aconteceu com as mulheres que não escreviam? O que aconteceu com a mulher pobre da classe trabalhadora? Existe alguma forma de recuperar a contribuição dessa mulher para o feminismo negro? Por isso, passei a olhar e analisar o blues, observei as mulheres cantoras de blues e me dei conta de que elas encontraram maneiras de conversar sobre o feminismo, falando, por exemplo, de sexualidade. Às mulheres de classe média não era permitido falar sobre sexualidade em público. Isso era um tabu. No contexto do blues, contudo, podia-se explorar qualquer tema relacionado à sexualidade.
Parece-me que essa questão da sexualidade está ligada à luta do povo negro por liberdade. Por que eu digo isso? Porque, se a gente reparar nas condições do povo negro imediatamente após a abolição nos EUA (em 1865), percebemos que ele não tinha liberdade econômica. Havia a demanda por “40 acres de terras e uma mula”, mas poucos conseguiram receber os 40 acres de terra. A maioria dos negros não tinha liberdade econômica nem política. Então, no período imediatamente posterior à escravidão, havia três formas através das quais os negros conseguiam ser livres: o direito de ir e vir e deixar as plantações, o direito à educação, pelo qual muitos deram suas próprias vidas, e o direito de escolher seus parceiros sexuais. Essa liberdade em relação à sexualidade incorpora muitas outras aspirações por liberdades. Já que não se tinha liberdade política nem econômica, havia um certo grau de liberdade nas suas vidas sexuais. Quando a gente pega o slogan feminista “o pessoal é político” e o analisa à luz da história do povo negro como escravo, percebemos que o slogan adquire um significado totalmente diferente.
O blues foi a primeira forma artística que emergiu após a abolição. E as mulheres negras dos anos 20 emergem como cantoras de blues, como trabalhadoras, como profissionais, e assim foram gravando músicas. A questão da pesquisa histórica tem muita importância para a nossa luta contemporânea. E nós, acadêmicas e intelectuais, precisamos resgatar essa luta contemporânea por justiça. O grande desafio contemporâneo nos EUA é fazer a ligação entre o público e o privado, entre o pessoal e o político, de maneira a estabelecer a relação entre a violência doméstica e a pública.
Durante muitos anos nosso lema foi a unidade negra ou, talvez, o que se chama de solidariedade racial entre homens e mulheres negras. Freqüentemente, no entanto, o silêncio das mulheres negras diante da violência doméstica tem prejudicado muito suas próprias vidas. A unidade negra da maneira como tem sido formulada protege um companheiro do movimento negro que bate na mulher de responder publicamente por sua atitude, sempre argumentando que “roupa suja se lava em casa”. Nós sabemos que a violência de um parceiro sobre a mulher é tão ruim quanto a violência policial.
As mulheres cantoras de blues dos anos 20 sabiam como falar desses problemas que acontecem nos relacionamento, e o faziam abertamente. Mesmo considerando que elas não tinham o vocabulário de que dispomos hoje para tratar do aspecto político da violência doméstica, elas nunca esconderam isso, nunca fingiram que isso não acontecia. E muitas dessas mulheres que cantavam compartilhavam com outras mulheres o fato de que, dentro de uma situação de violência, o que elas deviam fazer é cair fora.
É preciso aprender a estabelecer a relação entre gênero, raça, classe e sexualidade. Nós temos que lutar por saúde física, mental, emocional e espiritual. Sabemos que as mulheres negras norte-americanas têm muito que aprender com as irmãs brasileiras sobre a saúde espiritual. E aprender a reverenciar nossas ancestrais, permitir que elas nos alimentem para que possamos continuar nossa luta. Nós temos que evocar espíritos como o de Aqualtume, o de Beatriz Nascimento e o nome de Lélia Gonzales. Para concluir esta parte, vou declamar um poema muito utilizado para inspirar as mulheres negras lá nos EUA:
“Eu me levanto.
Você pode escrever a minha história com o seu amargor e mentiras.
Você pode me atirar na lama.
Mas, ainda assim, como poeira, eu me levanto.
Você acha que a minha sensualidade incomoda?
Por que você está tão cheio de rancor, tão entristecido e desanimado?
Porque eu vou caminhar como se eu tivesse poços de petróleo na minha sala de estar.
Como a lua e o sol, com a certeza das marés e com esperança.
Pulando bem alto, ainda assim eu me levanto.
Você quer me ver quebrada e com a cabeça e os olhos baixos,
Com os ombros caídos,
Com as lágrimas e enfraquecida pelo meu choro.
A minha dureza ofende você?
Não fique tomando isso como se fosse uma coisa ruim.
Porque eu sorrio como se tivesse minas de ouro em meu quintal.
Você pode me atirar as suas palavras.
Você pode me cortar com seu olhar.
Você pode me matar com o seu ódio.
Mas, ainda assim, como o ar, eu me levanto.
Minha sensualidade incomoda você?
Isso vem como surpresa.
Eu danço como se tivesse diamante no ponto de encontro das minhas coxas.
Fora da vergonha da história eu me levanto bem alto.
Encontro o passado que está enraizado na dor.
Eu me levanto. Eu sou um oceano negro
Indo bem alto e longo, inchando, eu seguro as marés.
E, deixando de lado as noites de terror e de medo,
Eu me levanto ao nascer da manhã que é maravilhosamente clara,
Eu me levanto trazendo os presentes que meus ancestrais me deram,
Eu sou o sonho e a esperança do escravo,
Eu me levanto.”
3. A LUTA CONJUNTA POR LIBERDADE
A NAACP foi fundada no início do século XX nos EUA para defender os direitos dos negros. Com algumas de suas alas bem conservadoras e outras mais progressistas, não se pode caracterizar a organização como um todo. Recentemente, pela primeira vez na história, uma mulher foi eleita presidenta dessa entidade, e eu penso que isso é importante. Na comunidade negra norte-americana existe um desejo muito forte de fazer parte da luta. A identidade da comunidade negra foi muito construída em cima de marchas e ações do movimento negro. A partir dos anos 90, porém, não temos mais um movimento negro unificado em torno de uma luta.
A célebre Marcha de Um Milhão de Homens atraiu muitas pessoas com aquele desejo de participar da luta, mas o que sabemos agora é que o movimento dos anos 60 foi masculinista. Assim como eles conquistaram muitas coisas, tornaram a mulher invisível, representaram a liberdade do negro como a liberdade do macho. Partiam do pressuposto de que, uma vez os homens se reunindo para resolver seus problemas, praticamente todos os problemas da comunidade negra estariam resolvidos. E isso não é verdade. Por outro lado, não havia uma análise política sobre quais eram os problemas dos homens. Os organizadores da Marcha chamaram os homens para ir até Washington (EUA) com o apelo sobre o exame de consciência de cada um e basicamente propunham afirmá-los como chefes de família. Enquanto isso, as mulheres foram solicitadas para ficar em casa e cuidar das crianças.
Mas elas não aceitaram esse tipo de proposta. O grande desafio, portanto, é fazer a conexão entre o privado e o público, entre o pessoal e o político, e aceitar a mulher negra como uma parceira igual nessa luta por liberdade. Temos um caminho longo a seguir.
4. O PAPEL DO ARTISTA E A LUTA POLÍTICA (3)
Historicamente, nos EUA, tem-se a idéia de que os artistas existem para promover o entretenimento das pessoas. Dessa maneira, perde-se de vista o profundo papel dos artistas, que é colocar uma nova consciência, uma vez que eles têm recursos visuais e performáticos, usam o corpo como forma de expressão artística, enfim, possuem modos de dizer as coisas que o discurso político não dá conta. Quando se fala de uma pessoa que ficou famosa na Europa, por exemplo, isso é importante caso ela seja uma porta-voz da luta contra o racismo.
Essa atitude para o artista brasileiro é importante porque o Brasil encontra lá fora a idéia do mito da democracia racial. A tradição oral é muito central na nossa cultura. Mas isso também tem seus próprios problemas e contradições, a exemplo da mercantilização da cultura oral, como acontece com a black music nos EUA de hoje. Se isso torna a música disponível no mundo todo, cria, no entanto, uma certa hegemonia da cultura afro-americana, tornando mais difícil reconhecer a cultura original de cada país da diáspora, especialmente quando se observa o tipo de mensagem que vem através das músicas, principalmente na faixa jovem.
5. A POLÍTICA DA ESQUERDA E A QUESTÃO RACIAL
As organizações de esquerda têm argumentado dentro de uma visão marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante. Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida. A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecções entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relações que são mútuas e outras que são cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.
6. COMO AS FEMINISTAS NEGRAS SE RELACIONAM COM AS MULHERES EM GERAL E COM AS MULHERES NEGRAS EM PARTICULAR
O movimento feminista é tão diverso que eu não sei se a gente pode falar de um só feminismo. Nós temos feministas por toda a parte. Temos feministas no Partido Republicano que são bastante conservadoras politicamente. E mesmo dentre as feministas negras é preciso reconhecer a grande diversidade existente. Algumas mulheres negras se referem a si próprias como mulheristas, usando o termo de Alice Walker. Outras são feministas e fazem um trabalho mais prático, por exemplo, contra a violência sexual. Há também feministas negras que são acadêmicas, como Patrícia Hill Collins, que escreveu um livro sobre o pensamento feminista negro. Dentre todos estes tipos, é evidente que elas não concordam necessariamente umas com as outras, já que muitas são as diferenças.
O desafio consiste em saber como trabalhar com as diferenças e contradições. A diferença pode ser uma porta criativa. Nós não precisamos de homogeneidade nem de mesmice. Não precisamos forçar todas as pessoas a concordar com uma determinada forma de pensar. Isso significa que precisamos aprender a respeitar as diferenças de cada pensar, usando todas as diferenças como uma “fagulha criativa”, o que nos auxiliaria a criar pontes de comunicação com pessoas de outros campos. Por exemplo, quando se fala, na Grã Bretanha, de mulheres negras, está se falando de mulheres asiáticas, caribenhas etc.
7. A MULHER NEGRA E A QUESTÃO DA SAÚDE
Eu sou membro do projeto nacional de saúde da mulher negra. Tal projeto não se refere apenas à saúde física, mas também diz respeito à saúde mental, emocional e espiritual, procurando ver a saúde de uma maneira holística. O Instituto Geledés conhece esse projeto porque já participou de várias conferências sobre o assunto (4).
Assim, ao mesmo tempo em que lutamos por um sistema de saúde pública, buscamos criar conceitos para discutir as questões específicas da saúde da mulher negra, que são mais afetadas por diabetes e hipertensão e morrem mais de câncer cervical e de mama que as mulheres brancas.
Há também a questão da autoestima que estamos abordando nesta conferência. E, de certa forma, mesmo algumas de nós que conseguiram chegar a determinado ponto ainda nos sentimos muito mal com a gente mesmo, nos sentimos inferiores. E as mulheres que se sentem assim terão muita dificuldade para ajudar as mais empobrecidas, sobre cujos ombros elas se apoiaram para poder ascender. Nesse projeto nós temos grupos de mulheres que conversam muito sobre os problemas que as estão incomodando.
8. A GERAÇÃO DE ATIVISTAS DO MOVIMENTO DOS DIREITOS CIVIS
A noção dos direitos civis se tornou importante em termos da definição da luta nos anos 60. Como se pode avaliar politicamente tal situação? A história nos dá capacidade de avaliar o passado a partir do presente. E quando a gente olha para a história, quer sempre enfatizar o que foi mais positivo e nos esquecemos de ver as contradições. Porém, se olhássemos para as contradições ou os problemas, isso nos ajudaria a ir para frente, a avançarmos.
O movimento dos Direitos Civis foi muito importante, mas teve um problema em relação ao papel da mulher na luta que não foi reconhecido. As mulheres organizaram o movimento, organizaram o boicote de Montgomery (Alabama) no ano de 1955. E o que todo mundo sabe é o nome do jovem pastor que as mulheres pediram para que agisse como porta-voz do movimento dos Direitos Civis, um homem chamado Martin Luther King Jr.
Ninguém sabe o nome das mulheres que fizeram o trabalho organizativo. Na medida em que a gente reverenciar o Dr. King, deve ao mesmo tempo criticar o movimento por seu fracasso em reconhecer o papel central que as mulheres desempenharam. Veja um exemplo na imagem de Rosa Lee Parks. Ela é representada como uma mulher que se recusou a dar lugar a um branco no ônibus porque estava cansada. O que geralmente se fala é que ela era uma empregada doméstica que voltava do trabalho e, por conta do seu cansaço, desobedeceu a lei municipal racista do sul dos EUA. E assim originou o movimento em 1955. Como se ela não soubesse o que estava fazendo.
Mas a verdade é que ela era uma pessoa politicamente consciente, era organizada e sabia exatamente o que estava fazendo. Antes dela, duas outras mulheres já haviam sido presas na mesma circunstância, só que esses dois casos anteriores não tiveram sucesso devido a certas condições legais. Rosa Parks foi a terceira tentativa e com sucesso. Isso explica o masculinismo do movimento dos Direitos Civis que a gente deve avaliar e criticar.
Também devemos reconhecer que após trinta anos o discurso dos Direitos Civis não tem o mesmo poder. O mesmo discurso utilizado por Luther King para clamar por justiça para todos é hoje usado por conservadores para propor o desmantelamento das ações afirmativas. As recentes iniciativas ocorridas na Califórnia – e que são chamadas de “Iniciativa Californiana pelos Direitos Civis” – visam derrubar conquistas da ação afirmativa sob a alegação de que elas conteriam propostas que discriminam os homens brancos a favor de negros, mulheres e pessoas de cor em geral.
Assim, o mesmo tipo de linguagem utilizada pelo movimento dos Direitos Civis está sendo usado atualmente por conservadores para proteger os privilégios dos homens brancos. Todas as conquistas que obtivemos nos convidam a repensar e reconsiderar as possíveis vitórias futuras. Nada está escrito na pedra. O que é progressivo em determinado contexto pode ser extremamente retrógrado em outro momento da história.
9. A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA UTOPIA
Nos EUA, alguns de nós da esquerda nos baseamos no tipo de discussão que se fazia no Partido Comunista para ajudar a compreender os nossos projetos. Hoje não sou mais membro do Partido Comunista. Alguns de nós estavam lutando para democratizar internamente o Partido. Éramos da direção e assumimos a luta pela democratização, mas não éramos autorizados a concorrer a cargos eletivos. Não conseguimos e perdemos essa luta. Daí porque alguns comunistas e outros socialistas construímos uma nova articulação, uma rede que se chama “Comitê de Correspondência” da era revolucionária nos EUA.
Ainda acredito no socialismo, mesmo considerando que os países socialistas já não existem mais como antes. É preciso ver que o capitalismo ainda está muito desenvolvido. Na verdade, o capitalismo globalizado se insinua na vida das pessoas de uma forma que nunca tinha acontecido antes. Basta ver a economia internacional em termos do turismo sexual e a maneira como as mulheres trabalhadoras são exploradas dentro das Américas. Agora as corporações internacionais usam a população negra como o seu porta-voz. Veja o exemplo de Michael Jordan e da Nike, uma empresa que explora os trabalhadores negros dos EUA, da Indonésia e do Vietnã. Nos EUA, nós estamos fazendo uma campanha para boicotar a Nike. Lá temos uma camiseta com o slogan “Não faça isso”.
Eu realmente penso que utopia é quando a gente se move em novas direções e visões. Utopia no sentido de que necessitamos de visões para nos inspirar e ir para frente. Isso tem que ser global. Precisamos achar um modo de dar conta e saber como vamos interligar nossas lutas e visões e chegar a algumas conclusões sobre como desenvolver novos valores revolucionários e, principalmente, como desatrelar valores capitalistas de valores democráticos.
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* Angela Yvonne Davis nasceu em 1944 em Birmingham (Alabama). Militante das questões raciais e de classe, foi presa em 1970, acusada de participar de ações armadas promovidas pelos Panteras Negras. Julgada inocente em 1972, depois de quase dois anos de prisão, atualmente é professora do Programa de História da Consciência da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, onde busca articular, numa nova perspectiva, as categorias de classe, raça e sexo, visando a libertação social dos oprimidos.
(1) Conferência realizada no dia 13 de dezembro de 1997, em São Luís (MA), na Iª Jornada Cultural Lélia Gonzales, promovida pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão e pelo Grup
o de Mulheres Negras Mãe Andreza.
(2) A pesquisa se transformou num dos livros de Angela Davis, Blues legacies and black feminism: Gertrude “Ma” Rainey, Bessie Smith and Billie Holliday (Nota da Redação).
(3) Tanto esta como as seções seguintes resultaram de perguntas formuladas à autora no debate realizado após a exposição.
(4) Sediado em São Paulo (SP), o Geledés – Instituto da Mulher Negra tem como objetivo central combater as diversas formas de discriminação racial. Para maiores informações, ver www.geledes.com.br (Nota da Redação).
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Esse texto foi retiro do portal Gé