Olá! Eu sou Amanda, uma mulher cis, que tem uma deficiência, é cadeirante, bisexual e subversiva ao ponto de ser reconhecida pelo próprio trabalho.
Lembro da primeira vez que procurei meu nome no Google e encontrei um card de artista musical… É quase um ato de resistência quando leio matérias sobre o meu trabalho com a música ou com acessibilidade. Ou seja, com as causas pelas quais acredito e dedico todas as minhas forças - e isso é muita coisa para quem tem AME (atrofia muscular espinhal).
A AME é uma condição genética que afeta diretamente a força muscular, algo que é subvalorizado inconscientemente por quem não tem essa condição. O peso que algumas pessoas levantam na academia, equivale a questões básicas de autonomia, como: subir um meio fio, ficar de braços para cima arrumando o cabelo ou até mesmo erguer um prato com comida.
Para muitos de nós, pessoas com deficiências, a expectativa de vida e, de certa forma, nosso destino são informados por um médico, junto com um diagnóstico - e adivinha? Muitas vezes de um jeito quase nada humanizado.
Venho dos anos 90 e meu contato com o computador veio com a internet discada. Não era fácil encontrar informações sobre algo que me diziam ser uma doença não-degenerativa, herdada do meu pai, que me fazia ser frágil, insegura, impotente e incapaz - porque era exatamente assim que me diziam que eu deveria ser.
Então, eu comecei a entender que eu podia ir mais longe, se eu acreditasse mais em mim do que nos outros - e em suas considerações sobre realidades que desconhecem.
Um belo dia descobri que eu era gente.
Que mereço respeito, oportunidade e a dignidade de agir quando e como eu quiser ou precisar - assim como toda e qualquer figura que chamamos de pessoa. Além disso, aprendi que isso está na lei e eu tenho o direito de cobrar!
E vou cobrar, reclamar, re-clamar! Clamar, de novo e de novo, quantas vezes forem necessárias, para que todo mundo tenha O MÍNIMO. Todo mundo, incluindo você que lê essa frase, agora mesmo. Todo mundo que vai envelhecer e sentir na pele como é difícil habitar um corpo fora dos “padrões”.
Padronizaram os humanos com uma base que não faz sentido para uma quantidade imensa de pessoas que habitam esse planeta. Daí exclui muita gente!
Sabe aquela frase “inclusão é chamar pra dançar”? Não adianta chamar para dançar se a pista é escada acima, se o palco não tem rampa e muito menos uma plataforma, para elevar um cadeirante à altura de quem vai ocupar aquele lugar de forma confortável - sem se sentir um motivo de incômodo, um sinônimo de problema.
PcD, LGBTQIAPN+...Quando as siglas se misturam, elas aumentam significativamente a quantidade de pessoas que descobrem que diagnósticos e algumas nomenclaturas são apontamentos técnicos, relacionados a alguns fatores de cada um de nós.
Por exemplo, quem diz que “autismo é trend", não faz ideia de que a realidade é que o mundo está abarrotado de gente sem diagnóstico.
Há muita gente vivendo com sentimento de culpa ou medo por ser quem é! E isso também era assim com nossos antepassados - já imaginou quem seríamos se nossas avós soubessem o que nós sabemos hoje?
Hoje eu posso pesquisar mais sobre a minha condição, sobre as minhas raízes e sobre as minhas opções. E, é preciso ficar realmente sem opções para entender qual deveria ser a régua mínima para se ter respeito, educação, trabalho, cultura, saúde, lazer e prazer - e essa frase tem muitos sentidos.
No mundo online, com o avanço constante das tecnologias, consigo descobrir pessoas parecidas comigo, que se conectam em um aspecto que somente nós entendemos e que você só vai entender quando chegar lá (porque, em algum momento, você vai!).
Aqui no universo digital, eu posso escrever este texto e compartilhar publicamente que já saí do armário há um tempo e que quem importa pra mim, não questiona - porque sabe que não é só isso que define meus valores.
Não é uma deficiência, a identidade de gênero, a cor, a etnia, a orientação sexual, a condição financeira, o status social ou a saúde mental, que define separadamente quem é uma pessoa.
Quem define é a própria pessoa!
O problema está nas camadas constantes de barreiras que temos que enfrentar, para podermos ocupar espaços em que nós cabemos. Mas não conseguimos entrar de cabeça erguida e sem se passar por alguém “desumilde” ou raivoso. Ainda há tanta coisa óbvia que precisa ser dita. Mas acho que já valeu a reflexão que eu gostaria de trazer.
Está na hora da sociedade começar a tratar todas as pessoas, como PESSOAS. Então não precisaremos discutir por uma sigla, por um banheiro, pelo direito de nos chamarem pelo nosso nome… Até lá, é necessário seguir combatendo o capacitismo, racismo, LGBTfobia, gordofobia, etarismo e todos os preconceitos que reproduzem violências, buscando sempre a melhor forma de ensinar, seja pelo amor ou pela lei.
Amanda Lyra é especialista e consultora de Acessibilidade Digital e Marketing Acessível, artista musical, modelo e palestrante. Idealizadora do Projeto Solyra e colunista da Peita. Siga ela no FACEBOOK e INSTAGRAM.
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