Sufrágio, do termo latino suffragium, significa "voto". O direito de votar. Muito se fala das sufragistas européias e estadunidenses, mas quem foram as mulheres que estiveram no front da conquista do voto feminino aqui no Brasil? Qual a história da nossa luta por participação política? O que elas tiveram que peitar para garantir que nós pudéssemos participar da tomada de decisões na escolha dos governos brasileiros?
Criamos uma linha do tempo com datas significativas para o voto feminista no Brasil, mas sabemos que a invisibilização da história das mulheres (pessoas negras e indígenas) apagou as vivências de muitas pessoas. Por isso, qualquer contribuição, sugestão e críticas são muito bem-vindas.
Ps. É incômodo pesquisar, buscar imagens e ver as ausências de pessoas negras, indígenas e orientais nas fotos e textos. Quantas histórias e vivências foram deixadas de lado na construção da democracia brasileira? Vamos mudar isso?
Quem foram as mulheres que lutaram antes de nós?
1821: um ano antes da proclamação da independência, foi realizada a primeira eleição nos moldes que conhecemos, sem participação das mulheres, pessoas negras ou indígenas.
1824: foi outorgada a primeira Constituição Brasileira, definindo as normas do sistema eleitoral no Brasil, o que acabou criando a Assembleia Geral, órgão máximo do Poder Legislativo, composto por duas casas: o Senado e a Câmara dos Deputados, que eram eleitos pelos súditos do Império. Apenas homens brancos com mais de 25 anos de idade e uma renda anual determinada (100 mil mirréis), que convertido para o real hoje daria mais de R$ 1 milhão.
1831: os deputados José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Alves Branco apresentam à Assembleia Geral Legislativa um projeto de reformulação do sistema eleitoral. Nele, está prevista a possibilidade de mulheres votarem em eleições locais.
1832: Nísia Floresta lançou a primeira manifestação formal do feminismo no Brasil, Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens, artigo em que exigia igualdade e educação para todas. Segundo Nísia, a situação de ignorância em que as mulheres eram mantidas era responsável pelas dificuldades que enfrentavam. Submetidas a um círculo vicioso, não tinham instrução e não podiam participar da vida pública; não participando da vida pública, continuavam sem instrução.
1875: Adelina, a charuteira, mulher escravizada pelo próprio pai (provavelmente uma relação não consensual com a sua mãe, também escravizada) une-se ao movimento e luta abolicionista em São Luiz, no Maranhão. Enviava à associação Clube dos Mortos - que escondia pessoas escravizadas e promovia sua fuga - informações que conseguia sobre ações policiais e estratégias dos escravistas. A luta abolicionista está diretamente ligada a conquista de direito das mulheres.
1881: uma reforma eleitoral no Império, conhecida como Lei Saraiva, aboliu o voto do analfabeto.
1885: Maria Amélia de Queirós, professora e abolicionista, escreveu incontáveis artigos pelo fim da “criminosa instituição”, em favor da república e da participação das mulheres nas “lutas dos homens”. Ela costumava se apresentar no Teatro de Variedades de Recife que lotava para ouvi-la falar em “cidadania plena”. Foi uma das fundadoras da Ave Libertas, associação composta só de mulheres, que lutava contra a escravidão.
1891: a matéria dos direitos políticos é discutida e votada na Assembleia Constituinte. As emendas em favor do voto feminino são rejeitadas.
1891: pela Constituição, brasileiros natos ou naturalizados poderiam votar, sem limites de renda ou raça, mas mulheres e analfabetos não, o que excluía a imensa maioria.
1910: em 23 de dezembro é fundado o Partido Republicano Feminino, presidido pela professora Leolinda de Figueiredo Daltro, cujo objetivo era “promover a cooperação entre as mulheres na defesa de causas que fomentassem o progresso do país”. Aqui começa efetivamente o movimento sufragista brasileiro. Na foto abaixo, alunas da Escola Orsina da Fonseca, comandada pela professora Leolinda , e integrantes do partido.
Leolinda foi perseguida pela sua transgressão: querer que mulheres tivessem os mesmos direitos que homens brancos.
1911: O Partido Republicano Feminino é registrado oficialmente em 18 de agosto de 1911.
1913: os jornais deram ampla publicidade ao movimento das suffragettes, quase sempre reforçando que este não era um comportamento que as brasileiras deveriam seguir.
1917: Leolinda Daltro liderou uma passeata exigindo a extensão do direito ao voto às mulheres.
1917: o deputado Maurício de Lacerda apresenta projeto de reformulação da legislação eleitoral em que está previsto o voto feminino.
1919: o senador Alfredo Ellis apresenta projeto de voto feminino.
1920: surgiram vários grupos intitulados Ligas para o Progresso Feminino, embrião da poderosa Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
1922: em agosto, registra-se a entidade Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, de inspiração feminista e presidida por Bertha Lutz. A poetisa Laura Brandão e a operária Maria Lopes integravam o "Comitê das Mulheres Trabalhadoras", fazendo propaganda em porta de fábricas e tentando aproximar o operariado feminino e o Partido Comunista Brasileiro.
1922: em outubro, realiza-se o Congresso Jurídico Nacional, quando a advogada Myrtes Gomes Campos defende a constitucionalidade do voto feminino.
1922: em dezembro, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino realiza o primeiro Congresso Internacional Feminista no Brasil, no Rio de Janeiro.
1923: a advogada paulista e secretária geral da Aliança Paulista Pelo Sufrágio Feminino, Diva Nolf Nazário publica um livro Voto Feminino e Feminismo, em que defende o direito de votar.
1924: o deputado Basílio de Magalhães (MG) apresenta projeto em que prevê o voto feminino.
1927: 25 de novembro, a potiguar Celina Guimarães Viana deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores do município, invocando o artigo 17 da lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1926: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. Ela foi a primeira mulher registrada como eleitora.
1927: em dezembro, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino protocola um abaixo-assinado na secretaria do Senado. O documento pede aos senadores o direito de votar.
1928: em abril, realizam-se eleições complementares para o Senado no Rio Grande do Norte. Mulheres potiguares, da cidade de Mossoró, votam pela primeira vez, graças à decisão da justiça estadual. Os votos dessas eleitoras acabaram sendo anulados. Abaixo a foto das primeiras eleitoras.
1928: a também potiguar Alzira Soriano tornou-se a primeira mulher da América Latina a ser eleita prefeita. Com cerca de 60% dos votos, ela foi empossada na cidade de Lajes, Rio Grande do Norte, em 1929. Ela recebia muitas críticas e era até comparada a prostitutas, porque era livre, falava muito, se metia com homens. Há uma história de que ela, andando pelas ruas de Lajes, deu um soco em um homem que a xingou.
1931: sufragista gaúcha Natércia da Silveira, dissidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino fundou em 1931 a Aliança Nacional de Mulheres, para prestar assistência jurídica à mulher. Com 3 mil filiadas, a Aliança foi fechada pelo golpe de 1937, que aboliu as liberdades democráticas e abortou as organizações políticas e sociais do país.
1932: em 24 de fevereiro, o Governo Provisório edita o Decreto nº 21.076 (Código Eleitoral). Nele, mulheres alfabetizadas, com idade superior a 21 anos, sem restrição quanto ao estado civil, podem alistar-se como eleitoras. Mas, o decreto tinha seus entraves: solteiras e viúvas precisavam ter renda e as casadas precisavam da permissão do marido. Apenas na Constituição de 1934 isso é incorporado sem distinção.
1933: em 3 de maio, realizam-se eleições em todo o país e, pela primeira vez, mulheres votam e se apresentam como candidatas à Assembleia Nacional Constituinte. Com a exceção citada acima.
1934: em 15 de novembro, instala-se a Assembleia Constituinte; eleita com 176 mil votos, a terceira maior votação de São Paulo, a médica, escritora e pedagoga Carlota Pereira de Queirós toma posse como a primeira mulher deputada federal brasileira. Em 1950, ela fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas.
1934: em 20 de maio, o capítulo relativo aos direitos políticos é pautado para ser votado em plenário. Após acalorada discussão, os Constituintes aprovam a igualdade de direitos políticos entre homens e mulheres, desde que maiores de 18 anos e alfabetizados. O texto da Constituição, promulgado em 16 de julho, consagrou décadas de mobilização política em prol do sufrágio feminino no Brasil.
1934: a Constituição promulgada em 16 de julho consagra o direito de as mulheres votarem, sem restrições de estado civil. O voto é facultativo para as mulheres, exceto para as servidoras públicas, que são obrigadas a votar.
1934: em 14 de outubro, realizam-se eleições para a Câmara dos Deputados e para as assembleias legislativas estaduais. Em todo o país, dez mulheres elegem-se deputadas estaduais, entre elas Antonieta de Barros (SC), jornalista, professora e política brasileira a primeira negra brasileira a assumir um mandato popular. Em 19 de julho de 1937, conquistou outro feito: tornou-se a primeira mulher a presidir uma sessão da Assembleia Legislativa no Brasil. Em 1947, após o fim da ditadura Vargas, ela se elegeu deputada novamente.
1936: em 28 de julho, Bertha Lutz toma posse como deputada federal.
1937: em 10 de novembro, o presidente Getúlio Vargas dá o golpe, decreta Estado Novo e fecha o Poder Legislativo. Ou seja, nada de votos.
1945: com o fim do Estado Novo, pela primeira vez, as mulheres, que tinham o direito (com ressalvas) ao voto garantido desde 1932, puderam votar para presidente.
1946: a Constituição promulgada em 18 de setembro torna obrigatório o voto para homens e mulheres no país, desde que alfabetizados.
1976: em 31 de maio, Eunice Michilles tornou-se a primeira mulher senadora ao tomar posse na vaga do titular, o senador João Bosco, que faleceu.
1988: a Constituição promulgada a 5 de outubro estende o direito de voto a homens e mulheres analfabetos, que podem se alistar como eleitores, caso desejem.
1992: Kátia Tapety, travesti, negra, residente no município de Colônia, no Piauí, foi a primeira travesti eleita para um cargo político de sua história, sendo a vereadora mais votada em 1992, 1996 e 2000, sempre como a mais votada.
2018: a advogada Joênia Wapichana é a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, representando Roraima, durante as eleições de 2018.
Atualmente, o voto é obrigatório para quem tem mais de 18 anos e facultativo aos analfabetos e para quem tem 16 e 17 anos ou mais de 70 anos. Pessoas estrangeiras e que prestam o serviço militar obrigatório são proibidas de votar.
Para montar essa cronologia do voto feminino no Brasil, a jornalista Luana Angreves da Cliteriosa Comunicação, usou o livro "O voto feminino no Brasil", escrito pela historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques (baixe aqui) e nos sites: Revista Híbrida, EBC, Metropolis, Revista Galileu, Hypeness, BBC, História Hoje, UOL Escola, Politize, Claudia, Observatório 3º Setor, Wikipédia, Aventuras na História, Portal do TSE e Agência Câmara de Notícias.