COMO VOCÊ DIFICULTA A VIDA DAS PESSOAS GORDAS AO SEU REDOR? por Jéssica Balbino

COMO VOCÊ DIFICULTA A VIDA DAS PESSOAS GORDAS AO SEU REDOR? por Jéssica Balbino

Para tudo e pega agora seu celular. Vem fazer um exercício comigo. Entre seus contatos, quantas pessoas são gordas? Quais delas são bem sucedidas e bem colocadas no mercado de trabalho? Quais não estão de dieta e satisfeitas com o próprio corpo? Quais você tem certeza que são felizes, sem perrengues de saúde mental? Quais são saudáveis? Quais já escaparam das suas piadas e olhares maldosos? 


Quantas pessoas gordas existem, de fato na sua vida? Com quantas delas você já se relacionou? Você assumiria um relacionamento com alguma pessoa gorda que está nos seus contatos? (sim, estou falando de uma situação hipotética). Você tem fotos com pessoas gordas que você diz ser amigo? Você posta estas fotos nas suas redes sociais? 


Fora da pandemia, quando você liga para algum dos seus contatos que também são pessoas gordas, é para pedir algo ou para celebrar a amizade? Você convida seus amigos gordos para irem até a sua casa? você separa um lugar confortável, em que eles caibam, para que eles possam se sentar? 


Você se preocupa com o que a pessoa gorda vai comer, considerando se ela é vegana, vegetariana, tem intolerância à lactose, ou pede comida a mais, presumindo que ela vai comer tudo?


Quantas vezes você julgou a roupa da pessoa gorda que é sua amiga, mas nunca se perguntou se na loja que você compra seu ‘outfit’ têm peças que caibam nela? O quanto, de fato, você se importa com as pessoas gordas que estão à sua volta? 


E nos aplicativos de relacionamento, você dá match com pessoas gordas? Se sim, você as chama para sair em público, ou apenas para ir ao motel, às escondidas? As pessoas gordas de quem você é amigo são pessoas conhecidas? O quanto você diz a elas como se orgulha da amizade/relação que vocês têm? Quais são seus exercícios de empatia com as pessoas gordas com quem você convive? Quantas vezes você já ofendeu e/ou humilhou as pessoas gordas que estão ao seu redor? 

 

Te convido a estas reflexões porque hoje, 10 de setembro, é comemorado o Dia da Visibilidade Gorda e Combate à Gordofobia, mas nem sempre foi assim. A data só ganhou essa ressignificação após uma ocupação do movimento “Vai ter Gorda”, na Praia da Barra em Salvador (BA) em 2017. 


Então, vem cá e pensa comigo:

o que você tem feito para ser uma pessoa melhor com as pessoas gordas? De quais privilégios você abre mão para que pessoas gordas possam acessar os próprios direitos?


E aqui, pra lá do meio deste texto, pensei em pedir desculpas pelo tom inquisitório, mas já vivi uma vida me desculpando por ser gorda, por ocupar muito espaço, tentando me diminuir para caber nas cadeiras, nas catracas, nas roupas, nos amores, nas relações afetivas e no mundo, que me recuso a, mais uma vez, fazer este movimento. 


Considere cada pergunta como uma das vezes que eu precisei justificar a minha existência no mundo. A lista é infindável. E é por isso que eu estou aqui, fazendo esse textão, implorando por empatia. Te pedindo para, pelo menos enquanto você o lê, se coloque no lugar de uma pessoa gorda e não pense e diga coisas como ‘mas se é tão difícil assim, por que não emagrece?’. 


Eu até poderia falar sobre esse tema em um outro textão, mas vou me limitar a dizer: já pensou que pessoas gordas não querem ser magras? E, por que você acha que apenas pessoas magras devem ser respeitadas? De onde vem a crença que apenas pessoas magras devem ser humanizadas?

Veja só, já voltei a fazer perguntas, mas, juro, eu queria entender: qual a raiz de tanto ódio? E, por isso, neste 10 de setembro, cuja data era importada dos EUA em um tom pejorativo e virou um dia de luta - mais um, haja vista que toda nossa existência é marcada por resistência e formas de autoafirmação. 


Você deve estar se perguntando: pra quê um dia para romantizar a obesidade? E eu te faço um apelo: nunca mais use esta palavra. Sim. Obesidade. Não importa que o Drauzio Varella falou, que os médicos repitam-na para diagnósticos antes de examinar um paciente, mas oferecendo uma sentença de morte apenas de olhar o corpo. Não interessa em quantos artigos científicos ela aparece. 


Eu encurto o caminho: só no Google, uma busca de 0,71 segundos aponta 9.140.000 resultados. Nenhuma delas traz notícias positivas. O termo obesidade foi cunhado pela comunidade científica para instaurar uma patologia inexistente e assim, autorizar práticas de mutilação e extermínio. O termo ‘combate à obesidade’ sugere o extermínio destes corpos dissidentes e a grande questão é: quem lucra com isso? 


Acredite: a gordofobia mata mais. 


Por isso, já que você chegou até aqui, entenda: não reproduza esse discurso. Olhe para as pessoas, as mesmas da sua lista de contatos e responda para si mesmo: o quanto eu facilito ou dificulto a vida destas pessoas em razão do formato do corpo delas, que desobedece a norma vigente? 


Aproveito a data e peço: parem de hostilizar e violentar nossos corpos!

 

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Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina.

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Foto de Cinthia Rizoli.

 

 

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