DIA DA VISIBILIDADE INTERSEXO: TEMOS O QUE COMEMORAR NO BRASIL? por Mônica Porto

DIA DA VISIBILIDADE INTERSEXO: TEMOS O QUE COMEMORAR NO BRASIL? por Mônica Porto

Na Grécia antiga, entendia-se que só existia um sexo biológico, mas, em algumas pessoas, a genitália se desenvolvia e em outras não. Com a evolução da biologia, descobriu-se mais um sexo, surgindo assim o sexo masculino e feminino. Hoje, os estudos já apontam um terceiro sexo que é o intersexo. A Califórnia é o primeiro Estado a considerá-lo oficialmente como um sexo.


No dia 26 de outubro comemoraremos o Dia da Visibilidade Intersexo.

No Brasil, entretanto, milhares de crianças são mutiladas nas maternidades para se “adequarem” ao binarismo de gênero imposto pela sociedade.

É complicado tipificar o procedimento como crime de mutilação descrito no Código Penal Brasileiro porque existe a Resolução denº 1664 do Conselho Federal Medicina que autoriza as mutilações desde que os pais aprovem e que seja feita por uma equipe multidisciplinar. Dessa forma, mesmo que o Estatuto da Criança e do Adolescente traga a criança como sujeito de direito, os bebês intersexo são tratados, todos os dias, como objeto de direito de seus pais. É necessário frisar que por mais que os pais sejam responsáveis pelos filhos, eles não são donos dos seus filhos, eles têm o dever de proteger os direitos dos filhos e não o poder de retirar esses direitos.


Mas essa violação de direitos não termina na sala de cirurgia. Muitas vezes, os médicos se negam a entregar a DNV (Declaração de Nascido Vivo) sem a marcação de sexo ignorado com a observação de que se trata de uma criança intersexo. Entretanto, existe a Lei 12.662 de 05 de junho de 2012, que trata de como a DNV deve ser preenchida. No caso da criança intersexo, essa lei determina que não deve ser marcado nem um dos sexos, mas muitos médicos marcam masculino ou feminino e colocam a observação de que se trata de uma criança com DDS (Distúrbio na Diferenciação Sexual). Há ainda alguns médicos que chegam a usar palavras ofensivas para descrever que a criança é intersexo. Por outro lado, se os pais não aceitarem essa DNV e exigirem uma DNV preenchida corretamente, os médicos irão fazer uma série de exames e levará meses para essa DNV ser entregue. Infelizmente, sem ela os pais não podem fazer a Certidão de Nascimento da criança e, sem a Certidão de Nascimento da criança, a mãe não tem direito ao auxílio maternidade.


Diante dessa situação descrita acima, pergunto a vocês: “nós temos o que comemorar?” É verdade que com muita luta já se conseguiu judicialmente que nas certidões conste sexo ignorado, mas nosso sexo não é indefinido. É bem verdade que, hoje em dia, os cartórios já fazem essa certidão sem precisar de judicialização. Entretanto, as maternidades precisam mudar o modo de agir, e o CFM também precisa mudar sua resolução para que nós tenhamos um real motivo para comemorar.


Como a população intersexo sofre muito preconceito, a Áustria encabeçou um projeto de Declaração de Proteção a Pessoas Intersexo na ONU. Esse projeto teve apoio de diversos países inclusive países com governos de direita, no entanto o Brasil não apoiou esse projeto que foi apresentado na ONU no dia primeiro de outubro, uma data bem simbólica, uma vez que comemoramos nesse mês a visibilidade intersexo.


Realmente, não há como se falar em comemoração no Brasil.

Em nosso país, nossos corpos são tratados como anomalias, nosso sexo como inexistente e, além do mais, ainda autorizam mutilações em bebês intersexo.

Esse ano, eu comecei o mês de outubro com o coração sangrando, mas com muita garra e vontade de lutar pois temos a Associação Brasileira Intersexo (ABRAI) que é presidida por Thaís Emília de Campos dos Santos, uma mãe de criança intersexo que lutou pelos direitos do filho e luta até hoje pelo direito dos corpos intersexo. ABRAI também abraça a causa e possui ativistas intersexo que lutam pela causa.

 

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Mônica Porto. Pessoa intersexo, professora advogada especialista em Direito Previdenciário, pós-graduanda em Direito Homoafetivo e de Gênero e Presidente da Comissão LGBTQI+ da OAB/SE.

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