ENTÃO É NATAL... E VOCÊ NÃO PRECISA SER GORDOFÓBICO por Jessica Balbino

ENTÃO É NATAL... E VOCÊ NÃO PRECISA SER GORDOFÓBICO por Jessica Balbino

2020 foi um ano louco. Tão louco que nem vi o Natal se aproximar e ele tá aqui, virando a esquina. E, junto com ele, nós, pessoas gordas, temos que aturar o quê? A gordofobia das festas de fim de ano, que não fica esquecida nos demais meses, mas se intensifica na véspera da data e aí, não tem amor a Jesus que impeça aquela sua tia de dizer: nossa, como você engordou, antes de desejar boas festas ou aquela sua prima, ao se olhar no espelho, segurar a barriga imaginária, comentando: ‘nossa, eu tô uma baleia’.

E entre uma porção de salpicão e uma colherada de arroz (com ou sem passas), nenhuma pessoa gorda passa ilesa à máxima: você tem um rosto tão lindo, já pensou em bariátrica?

Do chá verde ao crossfit - com destaque de que é pela saúde mental e não pelo corpo - toda a família, de repente, parece saída das telas de Grey´s Anatomy, oferecendo todo tipo de receita, dieta, tratamento e milagre para que, dali um ano, você esteja com seu corpo de verão e não imaginando, mentalmente, cada um deles pegando fogo na fogueira da própria vaidade, ego e, claro, gordofobia.

Sinceramente, em 2020, no meio de uma pandemia, de um governo que nos assola, ninguém aguenta mais ouvir parentes gordofóbicos durante a ceia e, a escapadinha que poderia ser aquele grupo de Whatsapp ou aquele passeio pelo feed do Instagram se torna um outro tipo de tortura.

Memes com frases como “Vejo que estão muito felizes, já se pesaram?”, “Papai Noel, volta! Você esqueceu sua barriga aqui comigo”, “Dezembro chegando e eu nem emagreci para engordar no Natal”, “Neste Natal, evite tudo que engorda: espelho, balança, fotos e amigos magros”, “Será que estudando eu perco os quilinhos que engordei no Natal”, “Então é Natal e o que você fez? Engordei”, “Um Natal baseado em: não devia ter comido tanto”, “As festas de fim de ano passam, o peso não”.


Essa enxurrada é só um recorte do que encontramos. Muitas vezes, não são memes, mas as próprias pessoas ~ amigas e familiares ~ protagonizando esse surto de violência contra corpos gordos.

A grande questão é: me recuso a acreditar que alguém tenha convicção de que é possível engordar tanto numa única noite de comilança mais exacerbada. No fundo, ninguém crê nisso, mas tem uma necessidade perversa em fazer piada com o corpo das pessoas gordas, afinal, isso é descolado, é cool, é a versão high-tech do tio do pavê nas redes sociais.

É cansativo pra caramba para quem está na outra ponta. Pra quem é a piada. Ano após ano, venho falando sobre esse tema e esperando - torcendo - pra que seja o último a lidar com a gordofobia - que acaba sendo o único exagero da data.

Vale lembrar que este tipo de ‘humor’ é também violência, pois ele humilha pessoas que estão fora dos padrões estéticos estabelecidos e são gordas. Tais memes desumanizam as pessoas que habitam corpos gordos, como se isso fosse algo muito ruim. Além disso, funcionam também como disparadores para comportamentos autodestrutivos, que vão desde distúrbios alimentares a suicídio. E não é porque estamos em dezembro que precisamos esquecer do ‘setembro amarelo’, não é mesmo? Você, que postou sobre saúde mental, teve que se preocupar o ano todo e com todos os corpos, não só com os que estão dentro do padrão, tá bem?

Então, é Natal e você não precisa ser gordofóbico. Você pode ceiar, encontrar familiares, comer, abraçar, celebrar o que tiver que celebrar e acolher as pessoas, ao invés de esculachá-las por causa do tamanho do corpo ou do peso. E tá tudo bem se você gostar/quer ser magro. Só não precisa ficar anunciando isso. Ninguém está interessado.

Agora, se o seu Natal for resumido em medo de engordar ou em fazer piadinhas com corpos alheios, você está doente e precisa de ajuda profissional.

E, aproveita que é Natal e escreve pro Papai Noel. Pede aquela dose de empatia, de reconhecimento de privilégio e, veja só, de amor com as pessoas. Quem sabe assim a gente consiga construir um 2021 um pouco menos sofrido que 2020.

 

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Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina.

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