card branco escrito em preto: Leia  escritoras. Brazza, de Mariana Brecht, indicação Jéssica Balbino, e com foto da capa do livro, em rosa salmão e roxo, com ilustração de uma ponte partida, um rio passando por baixo e plantas em primeiro plano.

AUTOFICÇÃO EM THRILLER POLÍTICO DÁ TOM DA NARRATIVA DE MARIANA BRECHT por Jéssica Balbino

Mariana Brecht entrega um livro sobre o querer. E eu terminei querendo mais. Querendo ler mais a autora. Querendo saber mais da viagem. Querendo entender mais sobre o Congo. Querendo experimentar uma foto com os sapeurs .

 

Por meio de um thriller político autoficcional, Mariana Brecht apresenta-nos o Brazza, seu livro de estreia, onde narra a experiência da protagonista Manuela, de 27 anos, que embarca para um freela na área de produção audiovisual em uma empresa de cisternas na República do Congo e acaba tendo o passaporte confiscado e sendo obrigada a trabalhar na campanha política de reeleição do presidente ditador.


A obra publicada neste ano pela editora Moinhos reúne tudo que uma boa história precisa, além de ser absolutamente bem escrita.

Com várias camadas, o livro conta sobre as descobertas que envolvem os costumes de Brazzaville, a cultura, a culinária e arte do país que há três décadas é liderado por um governo autoritário. Neste entremeio, temos romance, tensão e uma escrita que coloca em destaque temas como branquitude, sororidade e, claro, amor.


Na confusão entre a realidade e a ficção, o leitor é conduzido para um excelente exercício de observação através dos olhos da protagonista - ou seria da autora - para um país totalmente novo. Não seria fácil se acostumar e como nos diz a autora logo no início da trama “quatro semanas demoram a passar quando a gente tem saudade”.

Logo no primeiro capítulo, acompanhamos Manuela desembarcando em Brazzaville e aí nos cabe a pergunta: onde fica? o que comem? o que uma jovem recém-formada foi fazer lá?


Com o passaporte confiscado, em um alojamento onde lhe disseram para não confiar em ninguém, o telefone grampeado, sem internet para que a oposição não se organize, muitas dúvidas e um só desejo: sair dali o quanto antes, a personagem consegue ‘fugir’ do sistema repressor ao escrever um diário, que resulta, enfim, no livro que temos a possibilidade de ler.

De um trabalho em audiovisual para a construção de cisternas no país africano a campanha de um ditador, é assim que Manuela nos conduz pela trama, em que deixa um grande amor no Brasil e  se vê enredada num romance com um congolês misterioso. Entre encontrar lugares para narrar a história do presidente autoritário, as respostas corporais à presença do motorista que lhe tira o fôlego, o medo e o desejo de ir pra casa, Manuela desafia a si própria em tudo que era inimaginável até ali. E a graça do livro está justamente nisso. 

No dia 16, a protagonista narra: “A jornada pelo Congo já não tinha sentido - um desejo marginal e incompreensível. Como todas as minhas jornadas, pensei”.

Nós, enquanto leitores, podemos acompanhar um super thriller político que desemboca numa história que mistura terror e amor na mesma proporção. E tudo isso é atravessado por um tema pouco falado - mas urgente de ser debatido: a branquitude. Os privilégios de raça e classe da personagem tensionam, ainda mais, o enredo de Brazza.

O medo é uma construção que garante o lugar dos privilégios. Mas para acabar com o medo seria preciso acabar com tudo”, escreve na página 100.

Ao se envolver com o motorista congolês, Manuela se dá conta do privilégio racial e de como essa diferença fica evidenciada, destruindo as camadas invisíveis e/ou insensíveis até então. Temos uma trama que dá conta de temas espinhosos como este, obrigando-nos, como leitores, a acompanhar a forma como a personagem toma consciência do que está vivendo e como vai desconstruindo o privilégio, mas se mantém convicta do que deseja e acredita.

Ler o livro foi uma experiência que me colocou em xeque com meus próprios desejos. Talvez eu deseje, inclusive, ser mais parecida com a personagem principal. Me doar em viagens a países desconhecidos que sempre quis ir - mesmo sem nunca ter ouvido falar. Embarcar em jornadas amorosas com homens misteriosos sob a mira de um governo autoritário. Escrever pra sobreviver (tá, essa última parte já faço) e narrar a experiência de um quase sequestro em um diário, sem acesso ao próprio passaporte. Contrariar minhas convicções em nome da experiência.

Mariana Brecht entrega um livro sobre o querer. E eu terminei querendo mais. Querendo ler mais a autora. Querendo saber mais da viagem. Querendo entender mais sobre o Congo. Querendo experimentar uma foto com os sapeurs .

Brazza termina, mas essa vontade, não. Queremos mais livros da Mariana Brecht. Queremos mais histórias intensas assim. 

 

foto colorida da jessica, mulher branca, cabelos castanhos claros, médios, lisos, vestida com uma camiseta preta com a frase lute como uma gorda em branco. Está olhando o celular.

Jéssica Balbino é mulher gorda, colunista da Puta Peita, jornalista, mestre em comunicação e acredita que pode transformar o mundo através das narrativas. É criadora e editora do Margens, projeto que difunde conteúdo sobre mulheres periféricas na escrita. Curadora de eventos literários em todo país. Autora dos livros "Hip-Hop - A Cultura Marginal", "Traficando Conhecimento" e “gasolina & fósforo - meu corpo em chamas” (no prelo).  Psicanalista em formação.

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