MAS COMO É QUE ELA TEM CORAGEM?  por Jéssica Balbino

MAS COMO É QUE ELA TEM CORAGEM? por Jéssica Balbino

Mas como é que ela tem coragem? Gorda desse jeito, com a barriga à mostra? Ser gorda tudo bem, mas mostrar a barriga já é demais. Ser gorda é OK, mas querer usar roupas da moda, aí não dá. Tá certo que é gorda, mas precisa querer sair de casa? Ser gorda pode, mas como é que ela tem coragem de se divertir? Gorda desse jeito! 


A mulher gorda que nunca ouviu algo parecido com isso na roda de amigas, na fila do pão, na academia, no ônibus, na escola dos(as) filhos(as) ou na rua de casa, que atire o primeiro brigadeiro! 


Estas frases, tão corriqueiras (especialmente fora da bolha do empoderamento da mulher), são, nada mais nada menos, que gordofobia. E assim: nua, crua, sem disfarces. 


Há quem garanta que não é gordofógico(a), mas, sem nem perceber, reconhece seu preconceito. Basta ver a gorda na rua, vivendo sua própria vida, que trata logo de parabenizar: nossa, eu admiro tanto a sua coragem!


Coragem de quê, pessoa? Coragem, para mim, é viver com um salário mínimo sustentando a casa, num país como o Brasil; é saltar de paraglyder; é construir a própria casa, debaixo de sol, assistindo vídeo de tutorial no Youtube; é fazer um mergulho no mar; é abandonar o concurso público para viver dos próprios sonhos. Usar um cropped e sair na rua, na maioria das vezes, é só calor mesmo. 


O Brasil é um país tropical. As pessoas vão à praia, piscinas, cachoeiras e curtir o Carnaval – durante o verão – nos bloquinhos, em centros urbanos e quentes. É comum que os corpos estejam à mostra e é natural que estes corpos também sejam gordos. Não tem nada de coragem aí. O que tem são altas temperaturas e vontade de se sentir bem. 


Mas eu entendo quem diz isso. A pessoa admira que a mulher gorda, apesar do preconceito que toda sociedade externa, consiga sair às ruas, se vestir e existir da mesma maneira que as mulheres magras. Isto, pois, sabe como é cruel a discriminação, seja em pensamento, seja em falas de ‘preocupação com a saúde’, seja em comentários despretensiosos sobre como a pessoa ‘morre de medo de comer um pedaço de pizza e ficar gorda’. A atitude da mulher gorda é vista como coragem, afinal, é preciso uma certa dose de desprendimento e autoconfiança para enfrentar o mundo que não só diz, mas BERRA, o tempo todo, que a mulher gorda deveria se envergonhar por ser quem é. 


Então, por que uma mulher nas ruas de roupas curtas soa como corajoso e heroico? Porque vocês não querem – nem aceitam – que corpos gordos como os nossos existam. Quando desafiamos isto, é como se reuníssemos toda coragem das que desistiram, das que não suportaram os olhares acusadores e anuladores, das que se renderam às mutilações cirúrgicas, das que se foram. É como se condenássemos, na ausência do medo das críticas, tudo que nos gritam e impõe. De fato, é preciso uma certa coragem para desapontar tantas expectativas. É preciso coragem para existir e ser quem se é, apesar de vocês. Apesar de vocês.


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Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina.

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Lidia Llamas é artista, ativista contra a gordofobia na Espanha e estuda Artes Plásticas na Universitat Politècnica de València.

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Bruna Monique Ramos

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