Em um cenário de constante luta e resistência, lideranças indígenas mulheres trazem à tona as opressões de gênero dentro do contexto das relações sociais indígenas e não indígenas.
No dia 19 de Abril no Brasil, comemora-se o Dia da Resistência Indígena. Este dia foi instituído em 1943, a partir do Congresso Indigenista Interamericano em 1940, no México. Em alguns outros países da América Latina, este dia é comemorado no Día del Campesino, em várias datas diferentes a depender do país. Já no dia 5 de setembro é comemorado o Dia da Mulher Indígena, institucionalizado no II Encontro de Organizações e Movimentos da América na Bolívia, em 1983.
A comemoração desta data representa o reconhecimento da luta de povos indígenas em toda a América Latina, que reivindicam sua plena humanidade e reconhecimento de seus direitos por parte dos grupos políticos e econômicos que compõem as sociedades latino-americanas.
Em um cenário de constante luta e resistência, lideranças indígenas mulheres trazem à tona as opressões de gênero dentro do contexto das relações sociais indígenas e não indígenas. Mulheres indígenas ainda lutam pelo acesso aos espaços de poder, aos círculos trabalhistas e acadêmicos. Temos pouquíssimas colegas indígenas nas salas de aula, pouquíssimas professoras indígenas, advogadas, médicas, engenheiras.
Mulheres indígenas são excluídas das esferas de poder constantemente, afinal, o próprio Estado e as relações hierárquicas sociais dependem de doses diárias de violência e exclusão para se manter constantes. Apesar dessa institucionalização, ainda durante o governo de Getúlio Vargas no Brasil, os governos posteriores continuaram as comemorações por meio de práticas de integração de povos indígenas. Essa integração se dá via silenciamento da cultura indígena, do genocídio, do epistemicídio contra conhecimentos ancestrais. O governo militar no Brasil, mas não só, empreendeu o silenciamento de povos indígenas e a integração com foco na democracia racial com o homicídio de milhares de homens indígenas e violência sexual contra mulheres indígenas. Portanto, apesar da institucionalização dessas comemorações, povos indígenas vêm sofrendo inúmeras opressões por parte do Estado, não só brasileiro, mas em todo o continente.
No caso brasileiro, 2019 representou um marco na luta de mulheres indígenas contra a violência e reivindicação do reconhecimento de sua importância para a sociedade. Em abril deste ano, o Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília, mulheres indígenas trouxeram à pauta da violência contra mulher, afirmando seu papel em igualdade com os homens indígenas, sendo líderes e guerreiras de suas comunidades. No mesmo ano, a Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, representou uma virada de chave na relação e divulgação das lutas de mulheres indígenas no país.
A partir da Marcha das Mulheres Indígenas, novas formas de reivindicação foram construídas por essas mulheres, buscando maior participação política, principalmente nas redes sociais, devido às restrições impostas pela pandemia do Covid-19 e as formas como a população indígena vem sendo acometida por essa crise sanitária.
A prática de luta indígena, especialmente de mulheres indígenas, representa pontos além dos teorizados pelos feminismos branco e ocidental. Considerando as relações de raça, gênero e classe, mulheres indígenas vêm lançando luz sobre as opressões que operam sobre suas vidas e seus corpos. Nesse contexto de luta, mulheres indígenas criaram em março de 2021 a ANMIGA - Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, “uma grande articulação de mulheres indígenas de todos biomas do Brasil, com saberes, com tradições, com lutas que se somam, convergem, que juntou mulheres mobilizadas pela garantia dos direitos indígenas e da vida dos nossos Povos”. Essa associação marca mais um passo na luta contra as opressões no Brasil.
Reconhecer a voz de mulheres indígenas no feminismo diz respeito não só a propostas de inclusão e diversidade, mas também o reconhecimento da humanidade dessas mulheres e de sua potência na construção de sociedades livres, tanto nas relações de gênero quanto nas dinâmicas raciais. O conhecimento ancestral a partir de mulheres indígenas têm muito a contribuir para constituição de sociedades menos desiguais e vai além de comemorações em dias específicos. A inserção de mulheres indígenas nas esferas políticas, econômicas e sociais de poder tende ampliar as nossas noções dessas relações.
“Mulheres terra,
mulheres água,
mulheres biomas,
mulheres espiritualidade,
mulheres árvores,
mulheres raiz,
mulheres sementes
e não mulheres somente
guerreiras da ancestralidade.”
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Ananda Vilela, mulher negra da periferia de Suzano, na Grande São Paulo. Doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Rio e mestre pela mesma instituição. Pesquiso raça e racismo nas Relações Internacionais e também as intersecções entre raça, gênero e classe nas relações sociais.
Foto de capa Kauana Ruschel por Bruna Kamaroski, do Projeto Origem.
( • ) Referências
:: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
:: Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA)
:: Instituto Internacional de Educação do Brasil
:: Revista Educação
:: Portal Todo Estudo
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