“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”
A citação da escritora Simone Beauvoir [1] é do século passado, mas retrata exatamente o que as mulheres, principalmente as gestantes, estão vivendo em meio a uma pandemia em 2020. Nas últimas semanas, encontrei diversas violações dos direitos das mulheres. Direitos básicos, conquistados com muito esforço, que são retirados de forma autoritária e intransigente.
Uma das violações mais recorrentes é o impedimento de acompanhante no período do parto - antes, no momento e após o nascimento do bebê. Ou seja, uma das fases mais aguardadas pela gestante está se tornando um verdadeiro pesadelo para muitas.
Os hospitais argumentam que há falta de materiais e profissionais para garantir segurança, mas não levam em consideração as vantagens que o(a) acompanhante proporciona, e muito menos a qualidade de vida da grávida e dos(as) familiares.
Apesar do abuso de autoridade de muitas instituições, ainda existe alguma sobriedade e sensatez na jurisdição internacional. A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, emitiu orientações a respeito da proteção dos direitos das gestantes no período da COVID-19:
“todas as mulheres grávidas, incluindo aquelas com infecção confirmada ou suspeita por COVID-19, têm direito a cuidados de alta qualidade antes, durante e após o parto” [2],
isso inclui cuidados de saúde pré-natal, ao recém-nascido, pós-natal e de saúde mental.
Devemos concordar que uma experiência de parto deve ser tratada com muito respeito e dignidade – e isso inclui o respeito ao direito básico da presença de acompanhante. Direito, aliás, previsto na Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril de 2005 [3], mais conhecida como
a Lei do Acompanhante, que determina que os serviços de saúde (públicos ou privados) são obrigados a permitir à gestante o direito a uma companhia durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto.
Porém, nada disso supera o direito ao mais puro de suporte emocional, que só o(a) acompanhante proporciona. Muitas gestantes necessitam de cuidados básicos, que o(a) acompanhante pode suprir de forma simples. O(a) acompanhante não sobrecarrega o hospital, pelo contrário, ele(a) auxilia para que não ocorram sobrecargas de funções diante da enorme demanda de enfermeiras e técnicas de enfermagem nos hospitais em período de pandemia. O(a) acompanhante afasta a necessidade constante da genitora de ter que pedir auxílio às enfermeiras e técnicas para buscarem um simples copo d’água, para tomar banho, alimentação, entre outros.
Não existe qualquer restrição legal ao direito das mulheres em contar com a presença do(a) seu(sua) parceiro(a) no trabalho de parto e puerpério. Inclusive, é de suma importância não banalizarmos a necessidade do respeito à dignidade dessa mãe de não permanecer sozinha no ambiente hospitalar.
Obrigar uma gestante a entrar em trabalho de parto sem qualquer acompanhante que possa lhe dar suporte emocional e segurança é uma violação de direitos humanos e garantias fundamentais.
O(a) acompanhante, além do suporte físico e emocional já mencionados, também inibe por inúmeras vezes as violências obstétricas infelizmente tão famosas no Brasil.
Caso você esteja vivenciando alguma negativa dos hospitais ao seu direito líquido e certo de indicar um(a) acompanhante neste período, você pode chamar a Polícia Militar no momento e registrar uma ocorrência, pois o seu direito está sendo negado! Você também pode buscar o Ministério Público, a Defensoria e advogados(as), que irão realizar pedido de urgência ao Judiciário, para que este se manifeste frente à negativa dos hospitais.
Sabemos que estamos vivendo um momento de crise mundial e, assim, não permitir a entrada de visitação é compreensível nesta pandemia. Entretanto,
obrigar a gestante à solidão do hospital, em momento tão delicado e marcante da vida, é uma violência e isso, não iremos aceitar!
( • )
Aline Vasconcelos, advogada, professora, lésbica, militante especialista em direito das minorias. Siga Aline no Instagram.
Ilustração Kim Salt sobre doulas e parto durante a pandemia para The Guardian .
( • ) Referências:
[1] BEAUVOIR, Simone D. O segundo sexo. São Paulo, 1991.
[2] DIREITO do acompanhante e sua violação em tempos de pandemia do covid-19. Nascer direito, 2020. Disponível em: < http://nascerdireito.com.br/?p=565 > Acessado em 04 de abril de 2020.
[3] LEI nº 11.108, de 7 de abril de 2005.Planalto,2020.Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ ccivil_03 /_Ato2004-2006/2005/Lei/L11108.htm> Acessado em 04 de abril de 2020.
( • ) Sites visitados:
CONSTITUIÇÃO da república federativa do brasil de 1988. Planalto, 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 04 de abril de 2020.
LEI nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Planalto, 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03_a/to2019-2022/2020/lei/L13979.htm> Acessdo em 20 de abril de 2020.
RESOLUÇÃO nº 36, de 3 de junho de 2008. Bvsm,2020. Disponível em <https://bvsms.saude. gov.br /bvs/saudelegis/anvisa/2008/res0036_03_06_2008_rep.html >
PAIS podem ser proibidos na hora do parto por causa do coronavírus?. Abril, 2020. Disponível em: <https://bebe.abril.com.br/parto-e-pos-parto/pais-podem-ser-proibidos-na-hora-do-parto-por-causa-do-coronavirus/> Acessado em 04 de abril de 2020
CORONAVÍRUS: saúde dispõe novas regras para acompanhantes na hora do parto. Correio Brasiliense, 2020. Disponível em <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/ 2020/04/01/interna_cidadesdf,841742/coronavirus-saude-dispoe-novas-regras-para-acompanhantes-na-hora-do-p.shtml> Acessado em 04 de abril de 2020.