O ano era 1983, o país caminhava para o fim da ditadura militar e para a redemocratização, mas um ato de censura por parte dos donos do Ferro's Bar desencadeou um levante lésbico marcando para sempre a data do 19 de agosto.
Ferro’s bar
Inaugurado em 1961 na rua Martinho Prado no centro de São Paulo, era frequentado majoritariamente por mulheres: jornalistas, intelectuais, militantes, periféricas prostitutas, e público LGBT no geral. A partir de 1967, o bar começou a ser ocupado por lésbicas, virando um ponto de encontro e discussões políticas.
Fachada do Ferro's Bar em São Paulo.
ChanacomChana
A primeira publicação noticiosa lésbica no Brasil, era produzida de forma independente pelas ativistas do Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF, 1981-1990) e circulou entre os anos 1981 e 1987 nos bares da capital paulista.
As ativistas lésbicas iam ao Ferro's vender o jornal. Em 23 de julho de 1983, em uma dessas ações, o dono do Ferro's Bar mandou expulsar as ativistas do GALF, alegando que elas importunavam os clientes com suas intervenções e a venda do jornal. O porteiro agiu com violência, o que gerou indignação e ajudou a mobilizar uma frente de ação contrária à entrada das ativistas no bar.
Rosely Roth segurando um exemplar do folhetim Chanacomchana
Então, no dia 19 de agosto daquele ano, as militantes do GALF, unidas a outros grupos ativistas feministas, gays, políticos e defensores de direitos humanos simpatizantes à causa lésbica, se mobilizaram e organizaram um protesto contra a opressão e pelo fim às expulsões arbitrárias e violentas recorrentes. O evento ficou conhecido como o “Stonewall lésbico brasileiro”, em referência à histórica rebelião da comunidade LGBT ocorrida nos EUA em 1969. A data do levante - em homenagem a Rosely Roth, pioneira e grande articuladora do movimento lésbico brasileiro - se tornou o Dia do Orgulho Lésbico, aprovado em Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em junho de 2008.
19 de agosto é o Dia do Orgulho Lésbico.
Rosely Roth foi ativista lésbica e feminista do Movimento Homosexual Brasileiro (MHB). Formada em Filosofia e Antropologia, atuou diretamente no movimento feminista e no MHB. Em 1981, ao lado de Miriam Martinho fundou o GALF. Juntas lideraram o protesto conhecido como Levante do Ferro's Bar, primeira manifestação lésbica contra o preconceito e descriminação no Brasil.
Grupo de Ação Lésbica Feminista entra no ferros bar para vender o jornal Chanacomchana em 19 de agosto de 1983
As mulheres dos anos 80 foram ponta de lança na resistência contra a ditadura militar brasileira, assim como várias mulheres lésbicas têm se colocado na luta atualmente. Há muito tempo movimentos lésbicos lutam contra a repressão, descriminação e opressão. Lutam pelo direito de ser quem são, de amar outras mulheres e se desprender de esteriótipos, fetiches héteros masculinos e sexualização de seus corpos. Devemos olhar para nossa história, aprender com ela e pensar em estratégias que promovam mais garantias de direitos e políticas públicas para todas as mulheres.
Momento histórico de Rosely Roth no programa Hebe Camargo em 25/05/1985
O movimento lésbico existe e resiste através das memórias das que nos antecederam e não abaixaram a cabeça para o que o patriarcado impõe. Recuperar isso é importante para a nossa autoafirmação enquanto sujeitas políticas, para podermos aprender com as lições do passado e avançarmos em nossas tarefas e lutas.
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Fonte Coturno de Vênus - Associação lesbofeminista, antirracista, anti-LGBTIfóbica, anticapacitista do Distrito Federal. Essas informações compõem o TCC da Alyssa Volpini com o título: MONTANDO O FERRO’S BAR - O DIREITO À MEMÓRIA LÉSBICA NO BRASIL