O MITO DA COMPETIÇÃO FEMININA por Thati Tucci

O MITO DA COMPETIÇÃO FEMININA por Thati Tucci

Há 1 mês e meio atrás, nós da PEITA fomos chamadas para fazer uma palestra sobre o Dia Internacional da Mulher numa grande empresa de Curitiba. Era um empresa realmente grande, dessas com fábrica e todos os vários departamentos que vêm com uma líder no seu segmento. Quem nos mandou o e-mail querendo que fossemos até a empresa falar sobre Competição Feminina foram mulheres do RH (timidamente disruptivas) e segundo elas, esse era um problema real naquela organização.

É comum sermos chamadas para palestras no mês de março. Empresas, universidades, cursos e projetos querem saber como a PEITA começou, quais são os desafios de se posicionar tão fortemente a favor das mulheres e do movimento feminista e qual impacto isso gera para a marca e pessoas envolvidas. Ficamos felizes quando isso acontece porque, assim como a camiseta gera oportunidade de diálogo para quem está vestindo, é a nossa chance como empresa de propósito social, de levar os debates e provocações para outros espaços em forma de conteúdo. Ao longo dos nossos três anos de vida várias trocas e vivências foram experimentadas, aprendemos muito com centenas de mulheres diversas que cruzaram o nosso caminho e que tiveram algum tipo de contato com a marca, em vários cenários: nas nossas lives, eventos, rodas de conversa, visitando o nosso estúdio, nos bazares, redes sociais, manifestações, marchas e nos encontros de estudos. Por todas as pessoas que as nossas camisetas conectaram, é que conseguimos criar conteúdos autênticos e com depoimentos reais, aliados à dados, pesquisas, contextos e história. Chamamos a PEITA de marca-protesto porque enxergamos o potencial revolucionário dos diálogos que promovemos.

Para essa palestra específica naquela grande empresa começamos uma pesquisa interna para preparar o melhor conteúdo possível para abordar o tema 'Competição Feminina' e concluímos que: pra falar de competição precisamos falar da situação da mulher no mercado de trabalho; precisamos falar do patriarcado que reforça as relações de competição entre mulheres; precisamos falar das relações de poder na sociedade; precisamos falar dos lugares ocupados por mulheres nas estruturas hierárquicas; e precisamos falar dos contos de fadas que ensinam meninas que madrastas e bruxas (outras mulheres) estão sempre prontas pra puxar o tapete das princesas. Precisaríamos de umas oito horas pra falar tudo que engasga aqui dentro quando nos dizem que mulheres são naturalmente competitivas entre si, mas fomos contratadas para apenas uma hora de palestra. Um pequeno desafio diário pra quem luta.

Bem, em apenas uma hora decidimos falar sobre a mulher ter menos tempo disponível nos seus dias, ganhar menos, ser mais subjugada e assediada no ambiente de trabalho, ocupar menos cargos de liderança e além de tudo carregar o estereótipo de que não consegue trabalhar com outras mulheres por serem muito competitivas.

As brasileiras têm menos tempo disponível porque segundo o IBGE elas dedicam 8 horas por semana (em média 73%) a mais do que os homens com o cuidado de outras pessoas e tarefas domésticas, e apesar de serem mais escolarizadas do que o homem brasileiro (em média 7,3 anos contra 6,3 anos), não conseguem se dedicar da mesma forma ao desenvolvimento de suas carreiras.

É das mulheres a responsabilidade de cuidar das crianças, dos idosos, dos doentes, e de qualquer outra pessoa que precise de ajuda ou cuidado e, por isso, ainda pertence a elas a injustiça do trabalho invisível que deixa de pagar as mulheres 10 trilhões de dólares todos os anos pelo trabalho doméstico não remunerado, segundo a Oxfam.

Elas também ganham menos do que os homens no Brasil, em média 20% quando brancas, sendo que mulheres negras recebem até 63% a menos do que homens brancos! Essa diferença pode variar muito dependendo da área de atuação, sendo que médicas especialistas ganham em média 30% a menos que seus colegas médicos. (Sim, as mesmas na linha de frente no combate ao Covid-19).

Além disso, mulheres não são respeitadas em seus ambientes de trabalho, sendo frequentemente os principais alvos de assédio moral e sexual. Todos os dias ouvimos milhares de relatos de amigas, mães, tias, vizinhas que são assediadas e inferiorizadas nos seus trabalhos e constantemente têm que se esforçar em dobro para provarem que são competentes e aptas ao cargo.

Você já sentiu que antes de começar a trabalhar tinha que tirar um tempo precioso da sua jornada apenas para convencer um cliente ou o próprio chefe, que é qualificada e competente apesar de ser mulher? Você já se sentiu desmotivada na sua empresa por ter que fugir constantemente de investidas dos colegas homens? E as piadas machistas? E os elogios e críticas apenas quanto à sua aparência? Cansa né?!

Falamos tudo isso ali nessa palestra, falamos inclusive que as mulheres não estão nos cargos de liderança, que apenas 1 em cada 10 cargos de liderança são ocupados por elas no mundo.

 

Era importante que elas entendessem que as poucas mulheres gerentes, diretoras e chefes estão todas na mesma situação e quando você consegue se enxergar nas mulheres à sua volta fica mais fácil enxergar aliadas, parceiras.



E isso não estava acontecendo naquela empresa, aparentemente as mulheres estavam competindo entre si, o que nós conseguimos entender, afinal elas têm tão pouco espaço para crescimento que a disputa acontece entre elas. Além disso, fomos ensinadas a achar que não temos motivos para sermos aliadas ou mesmo se quisermos nos unir, isso não seria possível pois somos mulheres e apenas os homens são capazes de ter laços verdadeiros e intocáveis.

A noção de que temos menos valor ou capacidade por sermos mulheres nos rodeia desde a infância e a ideia de que não temos condições de criar laços entre nós ainda passa despercebida por grande parte da sociedade. Uma prova disso é o fato de que, de modo geral, pouquíssimas pessoas conhecem o significado de sororidade. (Nessa palestra, de 60 mulheres, apenas 3 levantaram a mão quando perguntamos se elas conheciam o termo sororidade, mas todas sabiam o que era fraternidade).

Fato é que nenhum fator biológico nos torna menos capazes que os homens de sermos amigas, mas ouvir e acreditar nisso a vida toda, sim!


A solução pro mito da competição feminina então seria a sororidade? Sim, seria.
A união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum ajudaria todas as mulheres a se desenvolver e continuar a lutar por direitos igualitários. Por isso naquele dia nós fizemos questão de dar dicas sobre como praticar a sororidade e finalmente depois de uma hora de palestra vimos algumas cabeças balançando em concordância e satisfação.

É mais fácil falar para bolha de mulheres desconstruídas e progressistas que nos rodeiam? Com certeza. Mas a revolução se esconde aonde nossas ideias ainda não conseguiram chegar. Por isso agradecemos imensamente aquelas mulheres corajosas do RH que convidaram a PEITA pra falar de feminismo, chamaram a palestra por outro nome (feminista é xingamento em alguns espaços), e sem nem dar muitas informações aos superiores conseguiram nos levar pra falar com quem precisava.

Sempre soubemos que não existe luta sozinha.

 

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A Thati Tucci é RP, professora e tradutora. Membra do Coletivo Cássia e da Peita. Sapatão meio desbocada e problematizadora nos almoços de família.

 

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1 comentário

Thati, vc fala italiano?

Se quiser pratica italiano, também falo um pouco.

[]

CM

Carlos

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