De quantas camadas você é feita? Quantas cascas você sobrepôs ao longo dos anos para se proteger e enfrentar o mundão lá fora? Quando voltamos os olhos para dentro percebemos o quanto somos únicas e múltiplas. Temos nossas subjetividades, complexidades, vivências e ancestralidade.
Sem a pretensão de desvendar a essência do ser humano ou oferecer um significado ao ser mulher, Descasca penetra no invólucro de suas convidadas e traz sentimentos bem guardados. A PEITA foi convidada pelas produtoras Fabielle Iatski e Nathalia Tsiflidis para fazer a curadoria de dois vídeos da série e escolhemos duas manas próximas e queridas.
A compositora, produtora, apresentadora, jornalista e idealizadora do Solyra, Amanda Lyra já é conhecida aqui na PEITA. Desde março de 2019 escreve suas inquietações e provocações no #putablog.
Conversamos com a roteirista e produtora Nathalia, que nos contou um pouco mais sobre o Descasca.
( • ) Como surgiu a descasca?
A Descasca surgiu de uma necessidade de falar de assuntos íntimos que a gente não via sendo abordados naquele momento, pelo menos não perto da gente. Por mais que víssemos muito conteúdo que tratassem do cotidiano, parecia que tudo ignorava coisas que, na nossa visão, eram muito latentes: a solidão, a ansiedade e a necessidade de parecer alguém forte o tempo todo. Resolvemos buscar em pessoas que admiramos alguma luz, algum sinal de que a gente não tava sozinhx. Encontrar e construir essas referências a partir de mulheres vem, por sua vez, da necessidade de nos vermos representadas nos corpos que falam, e também de construir novos imaginários possíveis para nós e para elas – que possam nos servir de musas inspiradoras por uma infinitude de coisas que não se resumem à sua aparência física. Também tinha isso de criar referenciais femininos para homens também. Com um na equipe de criação, vimos com as publicações dos primeiros episódios que muitos homens também estavam presentes na outra ponta da Descasca, assistindo ela.
( • ) É preciso muito tato com as pessoas, ainda mais quando queremos mostrar algo íntimo. Como foi o processo de encontro com as entrevistadas que você não conhecia?
A arte e a sensibilidade operam como línguas universais. A arte, porque sendo produto de uma sociedade, que altera e é alterada por ela, é um lugar possível para reinventarmos nossas identidades sem a obrigação de papéis sociais estruturalistas e opressivos. A sensibilidade também pois precisamos nos doar e nos mostrar para que pudéssemos nos conectar de uma maneira real e sólida com as entrevistadas. Sabemos que acertamos porque essas entrevistadas que não conhecíamos são hoje nossas amigas.
( • ) O as pessoas têm mais dificuldade dentro da descasca: se abrir e falar, ser filmada ou os dois?
Ser filmada. Ainda que exija muita confiança, quando a gente se abre e fala sobre nosso íntimo, a gente sabe imediatamente quem nos ouve. A gente escolhe quem tem o privilégio de nos ouvir, de ter acesso ao nosso universo íntimo. Uma vez filmadas, não temos mais controle sobre o modo como somos vistas, não sabemos por quem seremos vistas. Exige muita coragem se mostrar sem saber a quem.
( • ) Qual o objetivo da Descasca? O que deseja mostrar com ela quando a criou?
A Descasca existe porque falar sozinha não dá conta. A gente percebe que precisa de referências, compartilhar experiências para que possamos analisar as nossas próprias, de maneira mais saudável e mais leve. Estar em contato com essas mulheres e me enxergar em seus discursos é um alívio, porque finalmente é possível respirar e dizer que não sou somente eu a louca. É preciso mostrar que, além de lugares sociais, somos atravessadas por alguns dilemas subjetivos comuns ao ser mulher, ainda que soframos outras violências por raça, por sexualidade ou por classe social. Que nenhuma de nós é uma máquina sexual, independente do quanto nossos corpos são sexualizadas. Que todas sofremos com a solidão, e que é um processo fazer dela algo bom e construtivo. Que o número de engajamentos virtuais não reflete em riqueza interior. E que, principalmente, escutando umas às outras, podemos criar um lugar onde não soframos tanto. E que homens também podem nos escutar e se identificar com as nossas falas, o que até alguns anos atrás é inédito.
( • ) PEITA e DESCASCA apresentam A POÉTICA DA CICATRIZ
( • ) FICHA TÉCNICA
roteiro e produção Nathalia Tsiflidis
produção Fabiele Iatski
fotografia e montagem Ricardo Machado
som e trilha original Bile Bauer
captação de som Jonathan Rissi
finalização e cor Marta Souza
Curadoria PEITA.