PL DA GRAVIDEZ INFANTIL E O RETROCESSO NOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS por Ananda Vilela

PL DA GRAVIDEZ INFANTIL E O RETROCESSO NOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS por Ananda Vilela

 

Em um mundo governado por homens, a política, a sociedade e a justiça são feitas para homens. Para homens terem o livre acesso aos corpos de mulheres. Para homens não serem responsabilizados por seus atos, atitudes e crimes. Para que homens possam sair impunes, ou punidos com leveza, por sua violência. 

 

Portanto, desde já anunciamos: somos a favor do aborto seguro e legalizado para todas as mulheres e pessoas que gestam!

 
Iniciamos esse texto afirmando e defendendo em alto e bom som a nossa posição. Dizemos a que viemos: na defesa de meninas, mulheres e pessoas que gestam, nessa sociedade que insiste em nos odiar.

“Consegue pensar em alguma lei que dê ao governo o poder de tomar decisões sobre o corpo de homens?”. Esse questionamento foi feito por Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos em 2018 e é sempre lembrado quando nos voltamos para direitos sexuais e reprodutivos que deveriam ser garantidos. 

Em junho de 2024, vimos nossos direitos negados e retroagidos por um sistema masculino, cristão e misógino, no mesmo Estado laico, garantido pela Constituição Federal. Nos vemos então, imersas na bolha conservadora do congresso brasileiro, legislando sobre nossos corpos. 

 


Marcha 8M 2024 em Curitiba - PR. Foto por Karen Luckman.

 

Em 12 de junho de 2024, foi aprovado com urgência o Projeto de Lei 1904/2024 que insta, principalmente, sobre a proibição do aborto a partir da 22ª semana de gestação, mesmo nos casos excepcionais já estalecidos pelo Código Penal Brasileiro. As exceções foram impostas em lei em 1940, mas não garantidas desde então. 

Com dados apresentados por Flavia Oliveira, das mais de 5.000 cidades brasileiras, somente 200 oferecem aborto legal no sistema de saúde, sendo 290 hospitais. A maioria destes estão na região Sudeste e Sul, estando nos municípios com maior IDH, com pessoas com maior acesso e, muitas vezes, entendimento da questão. Dessa forma, temos casos emblemáticos de barreiras burocráticas e institucionais ao aborto legal. São inúmeros os casos de negação do direito ao aborto em caso de estupro, seja de crianças ou pessoas adultas. São inúmeros os casos de pessoas e crianças precisando viajar para outros estados do país a fim de acessar seus direitos. Dados que nos lembram que estamos na mira da política e justiça misógina, conservadora e fundamentalista. 

O passo de votar a urgência do PL 1904, que significa passar a pauta para plenária sem o devido trâmite de debate nas comissões da Casa Legislativa, demonstra o descaramento dos deputados e deputadas envolvidas nessa moção, bem como na desimportância investida em casos como esse. Retroagir quase um século de direito sexual e reprodutivo estabelecido por lei representa um retrocesso colossal. 

Segundo o Atlas da Violência, 20.039 crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos sofreram violência sexual em 2022. São essas meninas que ultrapassam as 22 semanas de gestação para acessar o sistema de saúde, seja por desconhecimento da violência, seja por desconhecimento da gestação, seja por vergonha de contar a familiares, seja pela falta de segurança para contar aos familiares, seja porque os próprios familiares são os perpetradores da violência. 

 

São crianças afetadas por uma política conservadora e produtora de violências.

 

Conforme o Código Penal, em crime de estupro de vulnerável, a pena será de 8 a 15 anos. Em caso de estupro de maior de 14 anos e menor de 18, de 8 a 12 anos. Em caso da vítima maior de idade de 6 a 10 anos. O PL 1904 busca estabelecer a pena de 6 a 20 anos de prisão, equivalente à pena de um homicídio simples tanto para a pessoa que abortar como para médicos que a ajudarem, uma pena maior para quem aborta do que para quem comete o crime de estupro.

O PL da Gravidez Infantil vem para nos assombrar com a possibilidade de meninas serem mães. Quando a nossa função mais promissora seria proteger as crianças, construir laços de afeto e cuidado, buscando futuros possíveis nesse mundo que insiste em nos matar. 

 


Ato "Criança não é mãe" em Curitiba - PR. Foto por Pamella Biernaski / @pseudobruxa

 


Ato em João Pessoa. Foto por Lara Brito - G1.

 


Ato "Criança não é mãe" - Junho/2024. Foto por Mídia Ninja.

 


Foto por Paulo Pinto - Agência Brasil.

 


Foto por Paulo Pinto - Agência Brasil.

 

Importante destacar que o Brasil vai contra um movimento presente na América Latina de descriminalização do aborto. Até o final de setembro de 2023, Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Colômbia, México e Argentina tinham legislação de descriminalização do aborto na América Latina.

A descriminalização é um primeiro passo para cuidados básicos que mulheres e pessoas que gestão precisam receber em situações de gravidez indesejada por qualquer motivo, ainda mais em casos de violência.

 

“As mulheres deveriam ter o direito de decidirem se elas querem ter o filho ou não. Se aquele é o momento da vida. Se aquele é o parceiro com quem você queria ter um filho. Se essa é a hora da sua vida de ter um filho. Se ter um filho pode atrapalhar ou não seus planos. Se você tem condição ou não de sustentar uma criança nesse momento” – Isabela Reis.

 

O avanço dessa pauta deveria ser acompanhado de diretrizes para a área da saúde e educação. A educação sexual é necessária para que crianças e adolescentes reconheçam seus corpos, suas mudanças de uma idade para a outra, para que reconheçam violências que não podem ser confundidas com carinho. A saúde é necessária para manter essas crianças, mulheres e pessoas que gestam em segurança na necessidade de procedimento, causando menores danos para as vidas dessas pessoas.

Compreender a profundidade desse tema e o perigo do retrocesso nos faz pensar nas escolhas e impossibilidade delas em uma sociedade conservadora e misógina. Nos faz pensar na importância de se posicionar e se levantar para a luta. Nos chama para ação!

 

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foto preto e branca da ananda vilela, mulher negra, com olhos escuros e cabelos encaracolados, castanhos e médios. veste uma peita branca com a frase pesquise como uma garota em preto

Ananda Vilela, mulher negra da periferia de Suzano, na Grande São Paulo. Doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Rio e mestre pela mesma instituição. Pesquiso raça e racismo nas Relações Internacionais e também as intersecções entre raça, gênero e classe nas relações sociais.

 

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peita.me
@putapeita
/putapeita

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