foto preto e branca da Jéssica, mulher branca, vestida com um moletom cinza e a frase lute como uma garota em preto. Ela está de capuz, mostrando o dedo do meio.

"QUANDO EU EMAGRECER, VOU SER FELIZ" por Jéssica Balbino

“Quando eu emagrecer eu vou (...)”. Complete a frase com ‘à praia de biquíni’, ‘namorar’, ‘sair de casa’, ‘mudar de emprego’ e ‘ser feliz’. 


A construção do imaginário social, com seu bombardeio de propagandas, algoritmos com dietas ~ e jejuns malucos promovidos e endossados por blogueiras magras em seus canais com milhões de seguidores, nos faz acreditar que só é possível ser feliz se houver um corpo dentro dos padrões estéticos vigentes, ou seja, magro mesmo. 


Qual o peso da felicidade? 

O Brasil é o segundo país das Américas com o maior número de pessoas depressivas, o equivalente a 5,8% da população, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, com 5,9% do total da população, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Dito isso, a OMS também aponta que o estigma tem relação aos corpos gordos tem consequências na psiquê, incluindo um agravamento em questões como depressão, ansiedade e redução da autoestima. 

A OMS destaca ainda que o estigma em relação aos corpos gordos tem consequências psicológicas significativas, incluindo aumento da depressão, ansiedade e diminuição da autoestima

Na outra ponta, o Brasil é o segundo país no mundo - ficando, novamente atrás apenas dos Estados Unidos (EUA), quando o assunto é a cirurgia bariátrica, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

Popularmente conhecida como ‘redução do estômago’, a bariátrica é indicada a pacientes com comorbidades relacionadas ao peso, mas feita indiscriminadamente em pessoas que engordam para chegarem no ‘peso ideal’ de fazer a operação e conseguir o tão sonhado corpo magro. 

Contudo, pacientes que passaram pela cirurgia figuram entre o aumento das taxas de tentativa de suicídio e também de automutilação, segundo o artigo “Risk of Suicide and Self-harm Is Increased After Bariatric Surgery—a Systematic Review and Meta-analysis” publicado por diferentes pesquisadores dos EUA.

Conforme o estudo, a cirurgia bariátrica também foi associada a aumento da autoagressão, maior frequência de uso dos serviços psiquiátricos e presença de transtornos psiquiátricos. Neste estudo, pesquisas mostram que 50% dos pacientes que fizeram a cirurgia bariátrica têm mais de três diagnósticos psiquiátricos.

A mesma pesquisa revela que 81% dos pacientes submetidos a cirurgia terão algum quadro psiquiátrico ao longo da vida, e que a prevalência de alguns transtornos psiquiátricos é até três vezes maior em gordos maiores em comparação com a população em geral. 


Ser feliz ou agradar o outro?

Ainda sim, é quase ofensivo: um disparate, vejam só,  acreditar que é possível ter um corpo gordo e ser feliz. Num primeiro momento, não acreditariam. Como pode um corpo dissidente encontrar felicidade? E, mais grave, se ele encontrar, o que será de quem ‘se esforçou’ tanto para encontrar a famigerada felicidade, reservada e destinada àqueles que obedecem as normas, que ‘se esforçam’. 

Ser feliz aqui é sinônimo de agradar ao outro. E este outro pode ser lido como a mãe, o pai, o namorado, a esposa, os irmãos, os amigues, a professora, o instrutor de dança, o padeiro, o atendente do supermercado, o sapateiro. A sociedade. Tem mais relação com atender uma expectativa alheia sobre o próprio corpo do que produzir e alcançar tecnologias e ferramentas de auto realização. 

E aqui cabe a pergunta: o que você sempre quis fazer mas nunca teve ‘coragem’ por medo de ser julgade por causa do seu corpo (sobretudo se for gordo)?

Por quanto tempo mais vamos seguir adiando as experiências mais básicas da vida com medo de desapontar um “outro” que está sempre em posição de julgamento sobre nossos corpos?

Quantas vezes mais vamos mutilar nossos corpos para encontrar a felicidade, ou o pote de ouro no final do arco-íris e terminarmos ainda mais fragilizados, doentes e mais distantes do ideal proposto - e também de um corpo saudável que nos cobram.

Quantas vezes mais vamos deixar de tomar um sol de biquíni, dar um mergulho no mar, dançar no centro da pista numa balada, comer o prato preferido no restaurante preferido, gargalhar alto quando tivermos vontade?

Eu sei que o mundo parece ser das pessoas magras, afinal, são elas que habitam as capas de revistas, os videoclipes, as propagandas, os catálogos, as protagonistas de novelas, filmes e seriados. As pessoas gordas, quando aparecem, ou servem para fazer escada para os corpos magros ou, entristecidas.

Assim, é difícil se imaginar feliz no seu próprio corpo e você passa os dias contando calorias e à espera do tão sonhado corpo magro para rir sem medo, usar a roupa que tem vontade, viajar, rebolar a raba ou mesmo viver?

A narrativa meritocrática do mundo nos convenceu que temos que nos esforçar para merecer a felicidade e esse esforço envolve ter um corpo obediente , magro, que caiba nas roupas, espaços e expectativas, não importa a que custo, a que preço.

Nessa busca insana e desenfreada por conquistar as migalhas de afeto e aprovação alheias, sucumbimos em dietas irresponsáveis, jejum enquanto as pessoas morrem de fome mundo afora, depressão, lágrimas e um horizonte cada vez mais inalcançável: e um corpo cada vez menos nosso, cada vez menos nutrido, em busca desse merecimento. 


Quem te convenceu que é preciso ser obediente para ser feliz?

Acorde cedo, malhe, coma na medida certa, leia autoajuda, poste nas redes sociais, grave vídeos criativos em até 15 segundos, seja menor, reduza, caiba, tenha uma postura adequada, obedeça, seja alegre, mas não muito, ria com moderação, não gargalhe, ninguém aprecia pessoas escandalosas, 

Como pode um corpo desobediente gozar e ser feliz?

Fato é. Nosso corpo é o que temos. E é com ele, tão e somente, que vamos experienciar o que é possível nessa vida. Dores, amores, prazeres, gozo, emoções, adrenalina, sabores e a vida, como deve ser vivida. Logo, desobedecer, embora pareça contraditório, pode ser o melhor caminho para ser feliz. Vem! 

 

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foto colorida da jessica, mulher branca, cabelos castanhos claros, médios, lisos, vestida com uma camiseta preta com a frase lute como uma gorda em branco. Está olhando o celular.

Jéssica Balbino é mulher gorda, colunista da Puta Peita, jornalista, mestre em comunicação e acredita que pode transformar o mundo através das narrativas. É criadora e editora do Margens, projeto que difunde conteúdo sobre mulheres periféricas na escrita. Curadora de eventos literários em todo país. Autora dos livros "Hip-Hop - A Cultura Marginal", "Traficando Conhecimento" e “gasolina & fósforo - meu corpo em chamas” (no prelo).  Psicanalista em formação.

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Foto Thito Fonseca.

 

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2 comentários

Simplesmente obrigada pelo texto! Todos os dias somos bombardeadas com padrões estipulados em todos os lugares para sermos felizes e completas.
Quero mesmo é que o padrão se foda!!! Bora ser feliz, dançar, cantar, amar, rir sem medo! Somos únicas e completas! Enfim, mais uma seguidora! ❤

Giovanna Gomes
O tipo de texto/análise necessária! Precisa e aprofundada sobre os corpos gordos e os ataques hostis diários, que me lê inteiramente. Muito grata por isso tbm Jéssica!
Monica Rodrigues

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