SERÁ QUE SEU FEMINISMO É GORDOFÓBICO? por Jéssica Balbino

SERÁ QUE SEU FEMINISMO É GORDOFÓBICO? por Jéssica Balbino

Seu feminismo é gordofóbico, sim. Eu deveria me desculpar por falar assim? Ou por ter o corpo gordo? Então para e pensa: quantas amigas gordas você tem? Quantas vezes você, de fato, parou e ouviu as demandas das mulheres gordas à sua volta? Quantas vezes você se preocupou se a camiseta da moda que você veste – e ostenta nos rolês – serve na sua mana que é gorda?


Muito se fala sobre o feminismo interseccional, que precisa, com urgência, abarcar outras pautas que vão além das mulheres brancas. Muito se diz sobre contemplar pautas de mulheres negras, idosas, pobres, LGBTQIA+, etc. Mas quanto se diz sobre a luta das mulheres gordas?


Quanto se sabe sobre isso, exceto atribuir tudo às questões de saúde - e saúde física, apenas, já que a mental escorre pelo ralo a cada silenciamento - e calcular a máxima do IMC (Índice de Massa Corpórea)?

Quantas vezes você parou na frente do espelho, ou da sua amiga gorda, e disse: "estou imensa!"? Quantas vezes você recusou um pedaço de pizza, na frente da sua amiga gorda e disse: "morro de medo de engordar e virar uma b-a-l-e-i-a!"?

Quantas vezes você pensou que isso soa como ofensa e que pode destruir a saúde mental da sua amiga gorda?


Quantas noites vocês saíram para dançar e você voltou para casa triste, porque seu pretendente saiu com outra garota que não você e chorou no ombro da amiga gorda, que sequer tem um pretendente, justamente porque é gorda e a sociedade pretere quem tem o corpo fora dos padrões estabelecidos?

Você, quando chama sua amiga gorda para sair, se preocupa se o lugar que vocês vão tem cadeiras onde ela possa se sentar confortavelmente e catracas em que ela pode passar sem ficar entalada? Ou você só chama e "ela que lute" para te acompanhar?


Quando você ostenta a academia que frequenta e o seu corpo "no pain, no gain", você considera que sua amiga gorda gostaria também de se exercitar, mas não consegue se sentir acolhida em ambientes "fitness" e que, muitas vezes, não consegue sequer comprar roupas que sirvam e sejam adequadas para a prática de atividades física?

Você já pensou que, enquanto você milita pelo fim da violência contra a mulher, a sua amiga gorda, ao seu lado, passa por infinitas outras violências cotidianas que não se tornam, sequer, pauta?


Você já parou para pensar que não é um problema de saúde e que sua empatia deveria ser extensiva à sua amiga?


Seu feminismo e sua luta por igualdade de salários e mais vagas no mercado de trabalho passa pela sua amiga gorda, que não consegue sequer um emprego, porque é preterida nas entrevistas que classificam pessoas gordas como "não tem a aparência que buscamos"?


Você já parou para pensar no quanto você, feminista magra, oprime sua mana de luta, que é gorda, mesmo que não queira isso?


Como nos chamou a atenção para isso a Cintia Lira, você sabia que mulheres gordas têm dificuldades para encontrar absorventes que sirvam e não vazem?
Que os copos menstruais não servem em mulheres gordas, na maior parte das vezes, e que sair de casa – para trabalhar, se divertir ou militar – é uma tortura durante os dias que mulheres gordas estão menstruadas?


Em algum momento, você já parou para ouvir sua amiga dizer que tem medo de ir ao médico – por qualquer que seja o motivo – porque ela é maltratada em todos eles, pelo simples fato de ser gorda?

Você já ouviu sua amiga se queixar da violência com que é tratada em hospitais?


E no Tinder? Você já parou para pensar que sua amiga gorda quase não tem relatos de aventuras sexuais, mas que sobram de violências ditas a ela em aplicativos de paquera e pegação, pelo simples fato de que o corpo dela é gordo?


Para e pensa: quantas vezes sua amiga gorda se isolou, porque se sentiu ferida demais para viver em sociedade, e você, mesmo assim, seguiu com a sua vida? Quantas vezes você se sentiu tolhida pelo machismo e sua amiga gorda segurou a sua mão e vocês foram juntas à luta? Agora inverte:

quantas pautas envolvendo mulheres gordas você já levou para a luta? Para rua?


Se você nunca pensou sobre as questões aqui levantadas, seu feminismo é, não só seletivo, mas gordofóbico e dá sustentação às questões que afetam as mulheres gordas. De que adianta lutarmos pela igualdade de oportunidades entre os gêneros, sendo que, chegando lá, elas só valerão a quem tem o corpo padrão, excluindo os corpos dissidentes e gordos?


E se você já pensa nisso e trabalha em prol destas causas, mesmo sendo magra, relaxa, o texto não é pra você, mas você pode compartilhá-lo, pra que mais pessoas também rompam com os véus gordofóbicos e passem a praticar a interseccionalidade. Vem, LUTE COMO UMA GORDA!

 

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Jéssica Balbino é o tipo de mulher elétrica, que mistura jornalismo, produção cultural e literatura com pimenta, cafeína, fósforo e gasolina.

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Ilustração de capa é da Limão, ilustradora e artista visual que gosta de desenhar gente gorda e personagens fantásticos. 

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8 comentários

Sei que o texto é de uma mina gorda.
Amei a imagem do cabeçalho.
Mas pq colocar a imagem de uma mina gorda com comida do lado? Pq sempre essa associação?

Pamella

INCRÍVEL E NECESSÁRIO ESSE TEXTO! Parabéns meninas, eu como gorda, nunca me senti tão bem representada e que alguém entende o que diariamente eu passo. Tenho transtornos alimentares desde os 12 anos, e sempre ajudei todas as minhas amigas magras com conselhos e escutava todos esses comentários aqui citados, mas nunca tinha levado isso a reflexão.
OBRIGADA ❤

Ju

Preconceito, só quem sofre sabe quanto dói!

Vitória

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