foto colorida da Amanda, mulher negra, com cabelos castanhos, crespos e médios. Está usando batom vermelho e camisa com flores amarelas e folhas azuis. Está com o indicador esquerdo no queixo e sorri pra foto.

TRANSIÇÃO CAPILAR: PESSOAS NEGRAS EM BUSCA DA SUA ORI por Patricia Ressurreição

"Hoje entendo que desde criança minha corpa é controlada por gente branca, que é violada de várias formas, como perguntas do tipo: como você lava seu cabelo? Como você penteia seus cabelos? Posso pegar? Nossa é macio, limpinho e cheiroso."

 

Uma garota nos seus oito, nove anos acompanha sua mãe pela primeira vez ao salão de beleza, ao se sentar num sofá aconchegante vem a primeira pergunta: ela é sua filha? Mesmo? Não quer hidratar ou alisar o cabelo dela? A mãe fica sem graça e diz que não. Anos depois essa mesma garota ao completar seus 14 anos de idade é convencida a ir em outro salão, um "especial'', que era só para pessoas que tinham o cabelo crespo, ou ruim, como era chamado na época. O resultado foram muitos puxões em sua cabeça, queimaduras no couro cabeludo, ela nem conseguia se ver no espelho de tanta fumaça e cheiro forte de formol. Haviam várias pessoas lá dentro e mal tinha espaço para andar. O resultado foram olhares de aprovação, mas quando se viu no espelho, sentiu-se feia e distante de si mesma, algo não estava certo.

foto colorida da Grada, mulher, negra, com cabelos escuros, trançados e compridos. Ela está com um macacão cinza, sentada em um cajón, cercada com cinco microfones em pedestais.

 

As corpas das pessoas negras são invadidas de tantas formas, o cabelo é só uma delas. A escritora, psicóloga, teórica e artista, Grada Kilomba, aborda o assunto  em seu livro 'Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano': “(…) não é diferente, torna-se diferente por meio de um processo de discriminação. A diferença é usada para uma marca de invasão.

foto colorida do rosto da Nilma, mulher negra, com cabelos escuros, trançados e compridos. Está falando no microfone.


Se olharmos pelo contexto histórico, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), antropóloga, pós-doutora em Sociologia e Educação, Nilma Lino Gomez, faz a seguinte colocação em seu livro 'Sem perder a raiz': Desde a escravidão o povo negro convive com o desafio de desconstruir o olhar negativo sobre sua corpa e seu cabelo. Um olhar que impregnou as várias técnicas corporais desenvolvidas pelos descendentes de africanos”.

Um exemplo prático do que as autoras falam é o canal Tô de crespa no Youtube. O vídeo de destaque do perfil é a transição capilar do alisado para o natural. Quando a criadora de conteúdo, Amanda Mendes, corta seus últimos fios de cabelos com química, os toca emocionada, sorrindo e a primeira pergunta que faz pra si é: “Cabô?!”. Acabou de começar. Esse primeiro vídeo mostra sinais de descolonização em relação a “normas” brancas.


A garota citada no primeiro parágrafo, é a mesma que vos escreve, Patricia Ressurreição, e que ainda não vai e não frequenta salões de beleza. Eu conto essa história a partir das minhas lembranças de infância. Hoje entendo que desde criança minha corpa é controlada por gente branca, que é violada de várias formas, como perguntas do tipo: como você lava seu cabelo? Como você penteia seus cabelos? Posso pegar? Nossa é macio, limpinho e cheiroso. Ainda, no século XXI, ouço esse tipo de questionamento, além de piadas racistas nas minhas costas sobre meu cabelo.

Como disse a filósofa, escritora e acadêmica brasileira, Djamila Ribeiro, em entrevista ao blog da editora Boitempo: "até hoje a sociedade nos nega, a nós, negras, o lugar de símbolo do belo, beleza.”



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Patricia Ressurreição é formada em Teatro no Colégio Estadual do Paraná (2015), Tecnologia em Produção Cênica na Universidade Federal do Paraná (2020), MBA em dança - Gestão e Produção Cultural. Cursou Fotografia pela escola Portfolio, onde foi contemplada com Menção Honrosa em Barcelona. Dançou no Dancep, bailarina da Téssera Cia de Dança Moderna da UFPR. Fundadora da Púrpura Produções (2018), modelo fotográfica, atuante na publicidade, film maker, produtora em eventos e atualmente apresentadora do Programa Soul Black Web.

 Foto de capa: Tati Photography

 

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1 comentário

Material lindo Patrícia!!! Show de bola… Parabéns… Beijossss

Mauro Zanatta

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